Não é pelo júri popular do caso Kiss — pelo que disse a reportagem, o juiz teve que se resignar a um habeas corpus caído do céu em favor de um dos réus —, mas ando lendo, assistematicamente, um excelente livro: Biografia Não Autorizada do Direito, de Fábio Ulhoa Coelho, da editora WMF Martins Fontes.
O livro foi escrito para público não especializado, especialmente para quem faz perguntas perplexas como, por exemplo, como pode cair um habeas corpus assim, do nada, na exata hora em que o juiz está lendo a sentença, sobre (e contra) um trabalho feito com rigor e serenidade.
O autor não apenas conhece o mundo das leis e das instituições, como é avisado de duas outras dimensões que, me parece, não costumam ser consideradas no mundo dos operadores do Direito — a História e a Linguagem.
Escrito com muita clareza, sem pose (que alegria civil ver isso, no contexto) e sem aquela característica autocongratulação que distingue entre quem é do meio e quem não é, o livro desfaz ilusões (e autoenganos) desde o começo. "Se o Direito não é o ordenamento jurídico, então o que ele é? É o sistema social de tratamento dos conflitos de interesse." Quer dizer: na primeira tacada, puxa-se o tapete da aura de neutralidade que a tradição bacharelesca usa para vestir o campo jurídico, para enunciar, claro e limpo, que estamos numa sociedade de conflitos.
Fábio Coelho conhece o debate contemporâneo mais sofisticado no amplo território das humanidades. Reivindica com clareza que a História e a Biologia não se excluem na consideração da trajetória das instituições, das leis, dos julgamentos. "A história não começou quando terminou a biologia."
Quando repassa pesquisas quantitativas, examinando a regularidade das ações de diferentes câmaras criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo, bá: um leigo como eu só pode sentir seu desamparo. Cair numa ou noutra dessas Câmaras, com tais ou quais desembargadores, meio que decide aleatoriamente o resultado, antecipadamente.