Esses reality shows entraram com tanta força na nossa vida que não há como entender o que vivemos sem levar em conta sua existência. Se o leitor tem mais de 30 ou 40 anos, deverá lembrar que existia mundo antes deles; quem tem menos disso talvez nem sonhe com a vida sem eles.
Vendo a coisa com certa largueza, os reality shows começam com a vida burguesa moderna: assim que começou a circular o jornal diário, uns 300 anos atrás, começou a haver certa indiferenciação entre viver a vida direta ou vicariamente – nas ruas da cidade ou nas linhas do jornal. Quando Robinson Crusoé foi publicado, em 1719, os leitores consideravam que era tudo real – e em parte era mesmo, porque houve inspiração em fatos para a ficção e porque, afinal, a Inglaterra singrava mares de todos os cantos mesmo, espalhando a lógica burguesa até o fim do mundo.
Depois veio o rádio, e a televisão, e a internet, e o smartphone. E cá estamos nós, capturados pelo, veja só, metaverso – “meta”, em grego, indica algo posterior, algo transformado, e faz piada sinistra com o termo “universo”. Tem o mundo uno, primeiro, este aqui em que podemos respirar e viver imediatamente, e tem o mundo meta, que rende grana para uns poucos tubarões digitais à custa do nosso consumo infinito e da colonização dos mais escondidos valores humanos, como o descanso e o sono.
Mas não era nada disso que estava na minha mente ao começar este texto, que pretende apenas registrar, com alegria (incluindo a alegria galhofeira), o lançamento de Casa dos Poetas, de Leonardo Antunes (Zouk editora). Professor de grego clássico, poeta, tradutor, grande figura, ele aqui escreve uma peça, uma comédia, em que Dioniso (ou Baco), aquele deus sacana, comanda um reality show com poetas.
Sim, poetas. Em dicção elegante na forma (versos de 12 sílabas) e sarcástica no tutano, o autor bota o deus grego – que logo vira Nisão – a conversar com o leitor brasileiro e apresentar 10 poetas, de diferentes marcas (o monarquista, a crossfiteira, o bacharel, o emogótico), num BBB singular. Como em comédias antigas, o final se dá com a intervenção do deus ex-machina, aqui Zeus, ele mesmo, num discurso flor de bagaceiro.
O deboche nos salvará do metaverso, espero.