Haverá poucas trajetórias mais emocionantes do que aquela em que um filho busca seu pai. Talvez mais do que aquelas em que um pai busca o filho, ou em que uma mãe busca filho ou filha. Por quê? Talvez seja um preço ainda restante da hegemonia da visão masculina na cultura, coisa que vem de milênios e não vai cessar tão cedo, apesar de toda a imensa transformação que o feminismo tem protagonizado há pelo menos um século.
“Filho busca pai” é um resumo, mesquinho mas preciso, da alma de O Avesso da Pele, excelente romance do novo patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, Jeferson Tenório, pela Companhia das Letras. Tendo experimentado a mão em dois outros romances, com protagonistas crianças ou adolescentes, ele agora põe em cena uma dupla de personagens, e é difícil dizer quem ocupa de fato o centro emocional do livro, se o pai, um professor que carrega frustrações duras (como todo professor de escola pública brasileira, acossado pela constante demonstração de sua inutilidade diante da avalanche da crise social e de valores, que soterra o alunado em geral), se o filho que conduz o relato.
Há uma manha formal: o romance é narrado em segunda pessoa, com um “você” obsessivo que aponta para o pai mas sai da garganta do filho – o tempo todo o filho conversa com o pai, com sua memória, com os registros que restaram de herança ao filho, mas também reconstitui passos e fabula sobre passagens da vida do pai (e da mãe e outros parentes, mais esmaecidos no desenho) que ele não conhece direito.
A tensão narrativa é mantida de forma muito hábil e faz o leitor atravessar sereno o varejo da vida do pai com atenção suficiente, intuindo e depois sabendo que algo de catastrófico se aproxima. O fim do romance é uma beleza dura e linda.
E tem outra coisa, outra obstinação: é um romance sobre o racismo. Porto Alegre é o cenário, os negros são as vítimas, e essas dimensões são um dedo apontado agora contra o leitor, ou melhor, são uma chamada do leitor para a urgente conversa sobre o racismo. Jeferson Tenório é discreto e efetivo também nisso. Essa dimensão ideológica, que poderia pôr tudo a perder e transformar arte em panfleto, não só não atrapalha a ficção como, pelo contrário, lhe dá tutano histórico.