Tenho lido com grande interesse a obra de João Fragoso, professor da UFRJ, que representa uma nova geração de historiadores, a primeira formada diretamente em pesquisa documental. Antes, embora houvesse aqui e ali gente dedicada a mexer na documentação, a regra era uma atitude ensaística, em que historiadores amadores (quase não havia carreiras universitárias organizadas) revisaram os anteriores, com uma ou outra evidência descoberta, e com isso e alguma intuição ousavam explicações amplas, com generalizações que agora são inaceitáveis.
A geração de Fragoso, Manolo Florentino, Hebe Matos, Helen Osório e outros começou sua vida adulta nos anos 70 e 80, exatamente no momento em que a pesquisa no Brasil começava a viver uma etapa estruturada em pós-graduações, com grupos, arquivos, colóquios e financiamento — o financiamento que o atual governo está destruindo, para todas as áreas, com ênfase nas humanidades.
Em livro recente, Um Reino e suas Repúblicas no Atlântico (organizado com Nuno Monteiro, editora Civilização Brasileira, 2017), Fragoso propõe uma síntese magnífica. Estudando as comunicações das várias instâncias do poder colonial, no quadro do que chama de “monarquia pluricontinental lusa”, descreve a estrutura de funcionamento do poder em quatro níveis, com âmbitos de atuação muitas vezes embaralhados.
O primeiro é a Coroa (rei e conselhos superiores); segundo, a Coroa no território conquistado (governadores, ouvidores, juízes atuando na colônia); terceiro, o poder local (câmaras de vereadores, irmandades, agremiações profissionais); e o quarto é o poder doméstico — a “casa” do patriarca, sua família e amigos, mais escravos e agregados. Este quarto nível, embora mais limitado, em seus domínios tem mais força que os outros três. O exemplo conhecido entre nós é o coronel fazendeiro.
Fiz essa volta toda não apenas para elogiar o trabalho do Fragoso, mas porque me parece uma forma de entender o atual presidente. Sua mentalidade é a do mandão doméstico, que protege os seus em primeiro e em último lugar, enquanto o mais é a paisagem, gente e situações que podem interessar ou não.
Para nosso desespero, essa mentalidade Antigo-Regime, pré-República Moderna, preside um país bastante complexo, variado, plural, que tinha alcançado uma condição moderna, com leis e instituições lutando para funcionar para todos, com relativa atenção à diversidade econômica e à preservação do ambiente, começando a respeitar etnias e gêneros, tendo alcançado um papel relevante no chamado concerto das nações, tudo isso a duras penas.
Voltamos umas 50 casas no tabuleiro.