No tempo do conto moderno, Rubem Fonseca foi marcante, e para sempre na literatura de língua portuguesa será lembrado como um inovador que deu certo. Eram os anos 1970, quando seu nome se fez, com livros de títulos impactantes, como Feliz Ano Novo, acima de outros. Teve a seu favor, junto à opinião pública letrada, o fato de que foi proibido pela censura, acusado de – de quê mesmo?
Subversivo não era. Pelo contrário. Antes de se tornar escritor, José Rubem Fonseca esteve a serviço dos que prepararam o golpe contra Jango. Aprendeu as manhas da narrativa mais ou menos didática do cinema norte-americano e ajudou o pessoal do IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) – uma associação conservadora, fundada em 61, de empresários e militares, entre os quais Golbery do Couto e Silva, um admirador do futuro escritor – a unificar o discurso escrito e a conceber e produzir filmes de divulgação da tese de que Jango estava solapando a democracia no Brasil.
Há quem atribua a esse passado a recusa do futuro grande escritor em aparecer publicamente, para entrevistas, no Brasil (fora, ele falou bastante – por exemplo aqui).
E ocorreu que sua literatura funcionou, teve impacto, especialmente pela crueza das cenas e personagens — ninguém esquece o conto Feliz Ano Novo, com bandidos narrando, em primeira pessoa e em linguagem direta, um assalto a uma casa de ricos, ou a força assassina de Passeio Noturno, ou a dor inesperada do depoimento de um jogador de futebol frustrado em Abril, no Rio, em 1970. Tem também sua verve debochada para comentar as vicissitudes do personagem escritor, como em Intestino Grosso.
Por tudo isso sua literatura chamou a atenção. Era uma voz masculina afirmativa (inclusive no plano do enunciado, com muita narração em primeira pessoa de personagens homens) a dizer coisas que, em contexto não ficcional, seriam barbaridades inaceitáveis. Rubem Fonseca estava criando uma força nova, empurrando o limite do conhecido para além. Graças a isso criou vários livros muito bons, ao lado de outros fracos (especialmente os derradeiros, que eram fundo de gaveta e que deviam lá ter permanecido).
Seu romance no geral não tem força, salvo a da leitura de qualquer thriller — ações bem encadeadas, enredo arguto, frase firme e direta, suspense que se esboroa assim que tudo se esclarece. Seu romance mais ambicioso, Agosto, não capta com justiça o peso da história que aborda, o suicídio de Getúlio.
Lamento que não tenha escrito (ou publicado, ao menos) mais memórias, como as que se pode ler, parcialmente, em O Romance Morreu. Se ele contasse dos bastidores de sua vida, não apenas de sua ação a favor daquele golpe, mas de tudo, do país que ele viveu, teríamos um valoroso depoimento de geração.