Tudo que é diferente, foge do comum ou sai das caixinhas do padrão provoca debate. Causa incômodo. Porque faz pensar, refletir, revisar conceitos, dar meia volta e analisar os caminhos. O futebol brasileiro passa, hoje, por esse processo. O agente detonador dele atende por Fernando Diniz, mineiro, 49 anos, dono de ideias e métodos que cutucam nosso conservador ecossistema da bola.
Diniz pensa o jogo diferente dentro e fora de campo. Enxerga-o por uma face mais humana, e isso soa como provocação em um ambiente em que jogador é tratado como máquina. Constrói seus times da frente para trás, sempre buscando controlar o jogo. Resgata raízes infantis, de se adonar da bola e se divertir com ela. Raízes que são, também, as do nosso futebol. Os jogadores o adoram. Os críticos, se dividem. O debate agradece.
O futebol brasileiro precisava de um Diniz para estacionar na via expressa europeia que pegou e olhar para dentro de si. A chegada dele à Seleção, mesmo se for tampão, já terá valido a pena pela reverberação na discussão que provoca. Diniz fez brotar no Brasil uma forma de jogar autoral. Inverteu a mão. Nos últimos 30 anos, nossos técnicos importaram conceitos e o acoplaram ao nosso jogo. Temos, agora, uma mão contrária.
Há europeus já observando o que Diniz tem feito neste Fluminense que cruza o caminho do Inter na semifinal da Libertadores, quarta-feira (27). É como se seu time fizesse vários minijogos em 90 minutos, sempre criando superioridade em quadrantes do campo. Imagine vários jogos de futsal dentro de uma partida de futebol de campo. É isso que ele faz.
Há conceitos no jogo de Diniz que são comuns e se encontram em qualquer modelo: intensidade, velocidade de execução, sistemas de marcação, construção ofensiva vertical e reação rápida na fase defensiva. A diferença é que ele tenta fazer tudo isso com a bola. É ela o centro da sua forma de pensar o futebol. Passamos as últimas décadas lutando pelo espaço e tendo-o como centro dos nossos modelos. Para preservá-lo, fomos recuando e vendo o nosso jogo sendo mais de reação do que proposição.
O mais interessante na trajetória de Diniz como técnico é que ele sempre pensou o futebol pelo mesmo eixo. Fosse no Votoraty, onde começou, lá em 2009, seja no Fluminense, onde atinge seu ápice. A diferença está na evolução em seu modelo.
Podemos dizer que, como técnico de elite, Diniz tem sete anos. Isso se considerarmos a partir do vice do Paulistão com o Audax. Me recordo de um jogo do seu Athletico-PR contra o Grêmio, na Arena. Havia ali a matriz do seu modelo, mas faltava contundência. Era como se as goleiras estivessem nas laterais, e o passe fosse preponderante em relação ao gol.
O Fluminense que montou em 2019 já apresentava um passo adiante. Parecia que o São Paulo, de 2020/2021, seria o seu salto. Só que, ali, o psicólogo de formação perdeu para o técnico sob pressão.
O episódio em que chama Tchê Tchê, seu jogador nos tempos de Audax, de "perninha do c." e "seu mascaradinho" arranhou sua imagem e azedou o ambiente interno. Era começo de 2021. Ele vinha de eliminação na semifinal da Copa do Brasil, para o Grêmio, e naquela partida em que perdia para o RB Bragantino, via Flamengo, Atlético-MG e Inter se aproximarem.
Ali, ainda estava um técnico em formação. O mesmo do Sorocaba, lá em 2011. O clube era administrado pela igreja Unificação pela Paz Mundial, do reverendo Moon, o que não tirava a naturalidade de Diniz nos treinos. Seus palavrões e cobranças ríspidas ao time ruborizavam gestores e funcionários.
O tempo fez bem ao técnico porque ele soube usá-lo a seu favor. O amadurecimento ajudou a controlar mais suas emoções. Em campo, seu time passou a mostrar equilíbrio entre defesa e ataque. Hoje, o Fluminense ataca com agressividade e busca se defender agrupando o máximo de jogadores em seu campo.
Há brechas que podem ser exploradas pelo Inter. Nenhum modelo é perfeito, e o de Diniz muitas vezes ainda deixa a defesa exposta. Porém, quando ele inicia a construção ofensiva, cria uma dúvida no adversário. Se ele ficar atrás, o Fluminense entra costurando. Se avançar e marcar alto, corre sérios riscos de ser castigado caso sua primeira linha seja superada.
Em qualquer um dos cenários, teremos um jogo. E isso é o melhor de tudo. Afinal, o futebol está nas nossas vidas para ser apreciado.