Os quatro minutos que faltaram para o Brasil segurar a vantagem contra a Croácia, no Catar, agora significam uma espera de 1.007 dias. Esse é o período entre esta sexta-feira (8) e a abertura da Copa do Mundo de 2026. Mas o caminho até o primeiro Mundial com 48 seleções se iniciará com um técnico interino. A partir das 21h45min desta noite, no Estádio Mangueirão, em Belém, Fernando Diniz tentará mostrar algumas de suas características na Seleção Brasileira, que receberá a Bolívia na abertura das Eliminatórias Sul-Americanas.
Com a ampliação feita pela Fifa, a Conmebol passa a ter seis vagas diretas na próxima Copa. O sétimo colocado ainda irá para uma disputa de repescagem. Ou seja, para uma seleção como a do Brasil, as Eliminatórias passam a ser quase que apenas formalidade. Mas o tom amistoso passa longe do ambiente verde e amarelo neste momento. Para Diniz, cada dia será uma oportunidade para mostrar que pode ser ele o treinador em 2026 enquanto a CBF deseja contar com Carlo Ancelotti, mas não tem a certeza de que o italiano aceitará a proposta para trabalhar no Brasil.
Com uma carreira de 15 anos de um meio-campista de clubes como Corinthians, Flamengo, Fluminense e Palmeiras, Diniz não acreditou que apenas a sua experiência como jogador bastava. Estudioso, cursou psicologia durante sua formação para ser técnico e tem no trato pessoal com os atletas um alicerce dos trabalhos. Não por acaso esse foi o aspecto citado pelo lateral Danilo ao falar sobre as primeiras impressões em relação ao novo comandante.
— O que eu mais gostei das palavras que o Diniz usou na reunião foi falar que primeiro quer que os seres humanos jogadores de futebol se sintam bem, para a partir daí se tirar o máximo do atleta. É difícil você tirar o melhor do jogador se o ser humano não está confortável — observou o defensor de 32 anos, que joga na Juventus e já defendeu clubes como Real Madrid e Manchester City.
Pois quem trabalhou com Diniz acredita que esse aspecto mental será um ponto marcante de sua etapa na casamata da Seleção.
— Ele gosta muito de pegar o lado humano do jogador. Tem muito atleta que se torna meio que um robô, uma máquina de produzir, e ele resgata a questão humana do que o cara precisa ter. Ele resgata a essência de menino, a alegria e o compromisso com o que estão fazendo. Na Seleção Brasileira são atletas de alto nível técnico, mas o lado humano é algo que ele pode fazer evoluir muito — acredita Sidão, goleiro do Audax, vice-campeão paulista em 2016, no trabalho que deu projeção nacional ao técnico Fernando Diniz.
A bola como centro do jogo
Taticamente, Fernando Diniz é, entre os treinadores brasileiros, o que gera maior debate quanto ao modelo de jogo. Adepto da posse de bola, ele até desperta comparações com Pep Guardiola, o técnico mais vencedor deste século. No entanto, o próprio Diniz aponta as diferenças da forma como ele e o espanhol pensam futebol.
— Por gostar de ter a bola, obviamente as pessoas me associam ao jeito do Guardiola jogar, mas para por aí. A maneira dele ter a bola é quase o oposto da minha. O dele é um jogo mais posicional, os jogadores respeitam muito a posição e a bola vai no espaço. O jeito que eu vejo futebol é quase que "aposicional". Meus jogadores conseguem migrar mais de posição, o campo fica mais aberto e o jogo fica mais livre — exemplificou durante participação no programa Bem, Amigos, do canal SporTV, em setembro do ano passado.
Pois essa forma de aproximação dos jogadores em torno da bola aparece como o principal desafio de Diniz neste início de trabalho na Seleção Brasileira. Desde aquele Barcelona que conquistou todos os títulos possíveis na temporada 2008/09, Guardiola passou a ditar tendências no futebol mundial. Ainda que seu modelo não seja predominante e há vários treinadores que buscam propostas quase como de antídoto ao seu jogo — o português José Mourinho é um exemplo —, as principais equipes da Europa, onde atua a ampla maioria dos convocados da Seleção Brasileira, jogam em modelos com referências posicionais, quando a movimentação é feita em função do espaço no campo e não da bola, como faz Diniz.
— O jogo pode ser posicional sem ser de posição, mas todo jogo de posição é posicional. Teoricamente, Diniz vai dar maior liberdade, mas isso não quer dizer que é aleatório. O que muda é o espaço, mas vai levar um tempo. Devemos tomar cuidado. O que não se deve é criar muitas expectativas, porque pode não acontecer no primeiro jogo. Pega o exemplo do Martinelli, que vive na esquerda com o Mikel Arteta (técnico do Arsenal, ex-auxiliar de Guardiola e adepto do jogo de posição). Chegar para ele e falar: "você pode se juntar aos da direita". Mas o Diniz não quer todo mundo do mesmo lado. Você vai juntar muita gente em um lado, mas vai ter alguém do outro até para aproveitar isso — explica Paulo Calçade, comentarista dos canais ESPN.
Calçade projeta que a Seleção Brasileira com Diniz terá o prazer de jogar com a bola.
— O futebol brasileiro tem um jogo muito direto e estamos falando em ter a bola, que é o que a gente vê no Fluminense em vários momentos. É um time que se associa em um jogo muito curto e associativo. Ele tem jogadores que nunca trabalhou, mas que vejo e tenho certa curiosidade é que o Diniz sempre foi um reformador, foi de pegar jogadores que ninguém queria, que precisavam de chance e criou equipes em cima disso. Na Seleção é diferente, ele vai pegar os caras do mais alto nível — completa.
No mesmo tom, o comentarista dos canais Globo Carlos Eduardo Mansur acredita que Diniz partirá, na Seleção Brasileira, passos à frente de seus trabalhos em clubes.
— O Diniz nunca esteve em clubes que sobrava dinheiro, não trabalhou como os principais elencos do Brasil, casos hoje de Flamengo e Palmeiras. Ele sempre moldou jogadores para fazer o que gostava. Agora ele pode escolher os melhores. Vai escolher aqueles que no seu entender se adaptam melhor — afirma.
A saída de bola tão debatida
A saída de bola de Fernando Diniz é, talvez, o ponto que mais gera dúvidas. No entanto, Mansur pede para que se olhe de forma mais ampla. O comentarista ressalta que a saída pelo chão é a base para a forma como o Fluminense — e será da Seleção Brasileira — chegue bem ao ataque.
— Não adianta a gente passar a vida inteira dizendo que quer um jogo mais ousado e condenar no primeiro erro. É entender que vai haver erro, mas que boa parte do que acontece de bom na construção depende dessa saída. A gente mostra exaustivamente os erros que resultam em gol ou chance do adversário e raramente as jogadas perigosas construídas porque pularam a linha de pressão do adversário e encontraram espaços. A trajetória do Diniz já quebrou alguns paradigmas. Ele pensa que qualquer jogador de Série A do Brasileirão tem qualidade. Se chegou ali, tem qualidade. Você aproxima jogadores e é mais fácil dar um passe de quatro ou cinco metros do que de 30. Na Seleção vai ter atletas de qualidade ainda maior, não tem por que achar que vai haver um risco maior — sustenta.
Ainda será um primeiro passo, um jogo no qual o Brasil é amplamente favorito contra a Bolívia e ainda sem a confirmação de quem será o treinador não apenas na Copa do Mundo de 2026, mas já para a Copa América do ano que vem. O que se sabe é que o primeiro passo na busca do sonhado hexa será dado sob o comando de Fenando Diniz. Um primeiro passo que deverá começar os passes (pelo chão) desde a defesa.