Por trás desse Caxias de futebol vertical e ousado, há uma gestão que importou práticas dos escritórios do segundo polo metalmecânico do Brasil. Caxias do Sul, hoje, está apenas atrás de São Paulo com suas indústrias desse setor.
O resgate do clube passa pela chegada, em 2016, de um grupo de empresários locais que levou para o Centenário as práticas do seu dia a dia. O presidente Mario Antonio Werlang é um deles. Engenheiro mecânico, dono da Tecnofrio, uma das patrocinadoras do clube, Werlang é a continuidade de um trabalho a longo prazo. Por telefone, o presidente conversou com a coluna.
A retomada do Caxias está ligada a uma continuidade na gestão?
O Paulo (Cesar Santos, presidente até 2022) é meu vice de futebol. Participávamos juntos da gestão dele, foi uma continuidade (a troca de comando). O Caxias vem desde 2016 numa sequência com esse mesmo grupo. Todos participam. Foi uma tentativa de salvar o Caxias do buraco em que estava.
Qual a profundidade desse buraco do qual resgataram o clube?
Do jeito que estava, não havia saída. Estávamos em um buraco com mais de 100 processos trabalhistas. Parecido com o que passa o Brasil-Pel hoje. Se não tivéssemos tomado atitudes em 2016, 2017, estaríamos na mesma situação que passa o Brasil. Temos, hoje, apenas a dívida do Profut. Aliás, esse programa (do governo federal, criado em 2015) salvou muitos clubes. No restante, estamos em dia. Os salários são pagos religiosamente, assim como fornecedores. Conseguimos, atualmente, pagar bicho.
Qual o tamanho dessa dívida do Profut?
Essa é uma dívida de longo prazo e que é paga em dia. Hoje, a receita que vem da Timemania cobre praticamente toda a parcela mensal que pagamos. São vários processos dentro desse acerto com o Profut. Encerramos um esses dias. Temos outro de R$ 8 milhões. Ao todo, devemos ter dívida com o Profut de R$ 10 milhões. Nosso estádio está penhorado por causa dela. É questão de tempo. Mais alguns anos, e estaremos zerados.
O fato de inexistirem dívidas trabalhistas é amostra da reorganização do clube, não?
Não queremos deixar que isso se repita. A dívida trabalhista vem direto no teu caixa. Passamos por isso em 2018 e 2019. Nos cotizamos, outros conselheiros entraram, criamos um grupo que conseguiu equalizar as contas do Caxias. Foi trabalho de formiguinha, dos abnegados que estão aqui. Foi onde se salvou o Caxias. Hoje, não temos nenhuma trabalhista em aberto. Em 2022, tivemos prejuízo pequeno e antecipamos receitas. Neste ano, a ideia é fechar totalmente zerados, sem déficit algum.
O senhor temeu pelo fim do clube?
Se não tivesse sido feito esse trabalho, não tenho certeza de que o clube estaria aberto. No mínimo, estaria pendurado no pincel. Graças a Deus, conseguimos deixar o clube administrável. Hoje, fazemos futebol o ano inteiro, e isso é difícil no Interior. Acabado o Gauchão, temos folha até o final do ano. Quando assumi, no final de setembro, antecipamos gastos para antecipar a preparação do time. Hoje, colhemos resultados. Pagamos salário de novembro. Os times do Interior praticamente não pagam, começam em dezembro para ter uma folha a menos. Deu resultado. Tivemos pré-temporada de 60 dias.
Hoje, o Caxias pratica um futebol diferente do que costumamos ver no Rio Grande do Sul
MARIO ANTONIO WERLANG
presidente do Caxias
Isso foi decisivo para a excelente campanha?
Até pelo modelo de jogo, tínhamos de ter preparação mais longa, para os jogadores entenderem a ideia do Thiago (Carvalho). Acho que deu resultado (risos). Hoje, o Caxias pratica um futebol diferente do que costumamos ver no Rio Grande do Sul. Poucos clubes buscam ter domínio do jogo. Tivemos posse de bola quase igual a do Inter no Beira-Rio. Estamos tentando fazer um futebol diferente. O torcedor, por vezes, não entende. Dá um frio na barriga quando o goleiro troca passe dentro da área. Em nós todos (risos). O time evoluiu muito.
Quanto está a folha salarial do grupo hoje?
Em torno de R$ 300 mil mensais. Esse é o valor que os jogadores colocam no bolso. Acrescenta-se aí comissão técnica e impostos, vai a R$ 500 mil. É um valor alto. Temos 26 jogadores. Pagamos todos os impostos, é tudo na carteira. Mesmo que o atleta queira receber por fora, não tem. Quer jogar no Caxias? É pelo certo. Se não, nem vem.
A guinada do clube passa por uma gestão com viés empresarial trazido por esse grupo de conselheiros?
Quem administra o Caxias são empresários da região. Tentamos levar nossa cultura do dia a dia para o clube, de fazer o certo, de maneira transparente. Sou empresário há mais de 30 anos. Tenho meu negócio desde os 27 anos, e estou com 61. Entre os vices, um foi diretor da Grendene até se aposentar. Outro atua na área comercial, um outro tem metalúrgica. E assim vai. Isso facilita o entendimento.
O acesso a divisões nacionais maiores impactaria como na gestão do clube?
Nosso objetivo é colocar o Caxias na Série B em 2025. Com isso, acredito em ter uma administração mais tranquila. Hoje, o Caxias é como qualquer clube do Interior, ainda depende das ações dos conselheiros, das festas, das confrarias para arrecadar, o que que é quase um patrocínio extra. Se galgarmos divisões, tudo ficará mais tranquilo.
Essa obsessão de buscar, há oito anos, o acesso à Série C não virou um peso para o time?
Atrapalha muito a essa obsessão. Queremos sair da Série D de qualquer jeito, para poder fazer um orçamento melhor. Precisamos ter um calendário mais definido. Em 2024, jogaremos a Copa do Brasil, podemos contar no orçamento com essa receita. Não tínhamos nada disso em 2022.
A torcida, diante desse trabalho todo, se engajou?
Fui na loja (na quarta-feira), estamos vendendo bem nossos produtos. Em dezembro, tínhamos 1,7 mil sócios em dia. Agora, são quase 3,5 mil. A campanha no Gauchão dá resultados. Logo, bateremos em 4 mil sócios. Isso dá um grande impulso. Temos ainda 140 conselheiros, que são colaboradores. É um plus no orçamento.
Para uma cidade de 600 mil habitantes e com bom padrão de vida, esse quadro social pode ser muito maior, certo?
Fiz um comparativo, dia desses, com um amigo e Criciúma. Lá, se trata de um clube só, é verdade, mas eles têm 19 mil sócios. Podemos ampliar muito aqui. O que nos falta é resultado mesmo. Tranquilamente, o Caxias pode chegar a 10 mil sócios. Temos muito o que crescer. O sócio não paga nada para entrar no estádio. Se tiver calendário de ano inteiro, se torna um grande atrativo para ele.
Tranquilamente, o Caxias pode chegar a 10 mil sócios
MARIO ANTONIO WERLANG
presidente do Caxias
Presidente, o que falar do Thiago Carvalho, um técnico de apenas 34 anos e que se mostra muito promissor?
Diria que é uma aposta feita em cima de um trabalho. Em 2022, veio para tapar um buraco. Claro, buscamos alguém que jogasse um futebol mais moderno. Antes dele, tínhamos um técnico (Luan Carlos) que também tinha ideias modernas, mas recebeu proposta e saiu. Antes de eu assumir, já tínhamos renovado com ele, por convicção no trabalho. Acreditamos no futebol desta forma. Temos de ressaltar também o trabalho do Marcelo Segurado, nosso executivo, que tem visão do futebol do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste. Trouxe jogadores que conhecia desse mercado. O Bruno, nosso goleiro, foi um achado no Náutico. Não nos envolvemos com o futebol, eles são os responsáveis. O que temos de fazer é segurar o Thiago agora. Acredito que segue conosco. O projeto é chegar à Série B com ele. No futuro, será técnico de clube grande.