Um personagem do Caxias tem chamado a atenção dentro de campo. O atacante Jean Dias, 32 anos, tem participação em nove gols do time no Gauchão 2023. Dentro de campo, um atleta que consegue aliar o ímpeto ofensivo com a tranquilidade no acabamento das jogadas. Natural da pacata cidade do Conceição, no estado do Tocantins, Jean Dias é um atacante discreto fora de campo. Ser jogador de futebol sempre foi seu sonho. Mas para chegar à final contra o Grêmio, ele teve que superar muitos adversários longe das quatro linhas.
Em 2016, Jean Dias tomou a decisão mais difícil da sua vida. Ele havia colocado um fim em sua trajetória no futebol. Com 27 anos, o atacante decidiu parar de jogar. Após fazer uma grande Divisão de Acesso, em Farroupilha , o atleta pensou que iria deslanchar. No entanto, o cenário foi contrário e ele ficou por meses desempregado.
— Desde os sete anos, lutei pelo sonho. Quando cheguei aos meus 27 , veio a conclusão que não ia acontecer. Era muito desemprego, um salário de mil, dois mil reais, uma filha vindo. A incerteza bateu muito forte. Eu decidi que era hora de seguir outros caminhos. Fiz um baita campeonato da Divisão de Acesso com o Brasil-Far. Fiquei nove meses desempregado e tomei a decisão de parar. Mas neste processo, o sonho ainda estava no coração — contou Jean Dias.
Neste período, ele trocou os gramados do interior pelo chão de fábrica. Foi trabalhar em uma empresa de borrachas na cidade de Nova Prata. Foram mais de quatro meses carregando insumos nas costas, mas o seu coração dizia que o capítulo no futebol não estava fechado.
— Carreguei comigo uma experiência muito forte de você estar vivendo seu sonho, e de repente você está dentro de uma fábrica, trancado, jogando borracha nas costas o dia inteiro e depois ia para uma esteira. Você fazia o teu horário de trabalho, com dignidade, claro, mas você vê o seu sonho se esvaziando. Entrei em um processo muito deprimido, triste, chegava em casa chorando, mas sabia que tinha que sustentar a família. Esse processo me trouxe um grande aprendizado para hoje estar compartilhando com os meninos, pois vale a pena lutar pelos sonhos — refletiu o atacante Grená.
:: AMIGO DA VIDA
Na virada do ano, em 2017, Jean recebeu a ligação de Delmar Blatt, gerente de futebol do São Luiz. Na época, o time de Ijuí montava a equipe para disputa da Divisão de Acesso sob o comando de Paulo Henrique Marques. Blatt encontrou um Jean desiludido, mas conseguiu convencer o atacante a retornar aos gramados.
— Ele estava bem desiludido pelos últimos clubes que tinha passado, com problema de salário e ficava meses sem receber. Comecei a falar com ele, que o São Luiz tinha um plano de subir, um clube correto. Fui convencendo-o e falei para dar mais uma chance para ele mesmo. Jean me pediu três dias para responder, mas no dia seguinte me ligou e disse que viria. Ele foi peça fundamental no acesso em 2017. Fez gol na estreia, fez gol de falta e fez gol na decisão — lembra o dirigente do São Luiz.
— É o meu melhor momento.
JEAN DIAS
atacante do Caxias
Logo no retorno ao futebol, Jean conquistou o acesso à elite do futebol gaúcho com o time de Ijuí e foi campeão da Divisão de Acesso. Gratidão é uma palavra que Jean carrega desde 2017. E sobre Delmar Blatt, o dirigente virou amigo fora das quatro linhas.
— Tive a oportunidade no São Luiz. Até hoje agradeço ao Delmar que me convenceu em voltar ao futebol. Delmar representa a gratidão, amizade, sempre converso com ele. Quando ele olha para mim, diz que vale a pena tentar mais uma vez, lutar pelo sonho.
"MARIA DIAS, MINHA ÍDOLA"
Como contava Renato Russo, "escuridão já viu pior, mas é claro que o Sol vai voltar amanhã". Apesar de todos os momentos difíceis, Jean Dias sempre carrega o sorriso no rosto. Logo cedo, o jogador teve que aprender a lidar com os tombos da vida. O primeiro veio em 2010, quando estava se profissionalizando.
Jean Dias se mudou novo para Goiânia, onde atuou na base do Goiânia Esporte Clube. Em 2010, recebe uma proposta do técnico Edson Porto, com quem trabalhou em Goiás, para fazer parte do elenco do Veranópolis, no Gauchão.
Somos oito irmãos e a mãe se entregou para a gente ter uma oportunidade.
JEAN DIAS
atacante do Caxias
— O cara sai novo de casa, deixa família com seus 18 anos, atravessa o país sozinho e enfrenta as dificuldades, mas em busca deste grande sonho de ser jogador. A família ficou em Goiânia, eles se mudaram tudo para lá. Comecei a lutar por esse momento que estou vivendo hoje. Viver uma final do Gauchão, diante de uma torcida maravilhosa e contra um grande adversário, é um sonho.
Quando se profissionalizou, Jean Dias queria dar uma casa própria para a mãe, Maria Dias de Almeida Costa. Mesmo recebendo R$ 400, ele mantinha o projeto de vida. Jean não se importava com os números, pois sabia que era só o começo de um propósito. Mas a vida estava prestes a lhe apresentar o primeiro tombo.
Em um momento de folga, o atleta voltou a Goiânia para visitar a família. Segundo ele, em um domingo de sol, quando a família se preparava para ir para a um clube social, o dia fechou e os planos mudaram. Jean conta que sua mãe fez o almoço, deu o prato aos filhos e um beijo em cada um, seguido da frase: "eu te amo". Depois, a mãe foi para outro cômodo da casa e o chão de Jean ruiu. Maria Dias morreu aos 56 anos. O atleta recorda que a mãe sofreu muito por ansiedade, pois dava comida aos filhos no dia e não tinha para o outro.
— A minha mãe se entregou por nós. Somos oito irmãos e ela se entregou para a gente ter uma oportunidade. Eu a perdi cedo, e daí em diante foi difícil, pois a mãe me criou, o pai não estava próximo. Ela virou esse centro, o pilar. Eu sempre tinha uma promessa (voz embargada) que era dar a casa para a mãe. Quando eu me profissionalizei falei: "mãe, agora vamos começar o plano em cima da casa própria". Mas, nós perdemos a mãe.
FALTA O TÍTULO GAÚCHO
Pai da Maria Clara, seis anos, e Vicente, de um ano e quatro meses, Jean Dias já tem na carreira títulos da Copa Paulista e Santa Catarina, além da Divisão de Acesso do futebol gaúcho. Agora, ele busca levantar o troféu do Gauchão. A partida de ida diante do Tricolor será neste sábado, às 16h30min, no Estádio Centenário.
— Tá faltando o Gaúcho! A gente sabe que tem um grande caminho pela frente, com 180 minutos, com muita intensidade, mas está todo mundo acreditando. Tenho certeza que vamos dar o nosso máximo para realizar este sonho — declarou Jean, que classifica o ano de 2023 como o seu melhor dentro do futebol:
— É o meu melhor momento. E eu sempre dedico essa boa fase à equipe. Não tem como a gente resolver só no individual. É a equipe que vai evoluindo, nos ajudando durante a competição e no bom momento. Espero continuar e finalizar com esse campeonato com essa torcida maravilhosa.
Muito religioso, Jean Dias compara a campanha grená no Gauchão como da passagem bíblica Davi e Golias. Ao longo do estadual, o grená derrotou ursos e leões, mas só foi visto quando superou o gigante, Inter.
— A gente fez uma ótima semifinal. Acreditamos que, para sermos campeões, temos que evoluir. A gente tem que ser perfeito enfrentando um adversário tão forte como esse. Temos que ver os detalhes, onde a gente errou contra o Inter, para que possamos chegar nessa final e fazer um grande jogo, um jogo perfeito.