Passa do meio-dia aqui no Brasil, já final de tarde na Itália, quando Matheus Henrique atende à coluna. O jeito extrovertido e de conversa fluida permanecem os mesmos do tempo de Grêmio. Aliás, ele não desgruda o olho do time. Conversa com ex-companheiros, assiste aos jogos na TV, torce e sofre quando o resultado não vem.
Aos 24 anos, o meio-campista ganhou asas e busca seu lugar ao sol no Sassuolo, emergente clube da Série A, como é chamado o Italiano. Há 10 anos na elite, o Sassuolo é o exemplo de sucesso de gestão. O clube pertence à empresa Mapei, que patrocina a camisa, e adota projeto de apostar em jovens. Lapida-os e os vende por cinco, seis vezes mais. Matheus segue essa lógica. Ele ainda tem alternado entre o banco e o time, mas garante: a Itália o transformou. Confira.
Como tem visto a temporada do Grêmio?
Acompanho quase sempre os jogos. Alguns não consigo ver, pelo fuso, passam muito tarde. Estou sempre na torcida, ainda mais agora que o Renato voltou. Converso bastante com o Geromel, com o Leo Gomes, o Edílson e o Diego Souza. Vejo o Grêmio em um ano de retomada. Todos os gremistas, todo o pessoal do clube, tenho total certeza, estão concentrados neste objetivo de voltar à Série A, de colocar o Grêmio nas competições em que está acostumado a jogar. Fomos campeões gaúchos e, concretizando o acesso, fechamos a temporada. Tomara que tenhamos mais um capítulo bonito contra o Náutico. A mensagem que deixo para a torcida do Grêmio é de paciência e esperança.
Como é esse lado torcedor do jogador profissional? Você é ativo nas redes, sempre soltando flauta nos colorados.
Desde a minha saída, desde que fui vendido, virei um torcedor, para sempre. Assisto aos jogos, sofro, quero que ganhe. Sei que tem vezes que não dá. Mas o torcedor é apaixonado (risos). Tenho gratidão enorme, desenvolvi um carinho imenso, pela história de quase sete anos no clube. Morei em Eldorado, antes, na primeira passagem, morei no alojamento do Olímpico. É uma relação que vem desde a base, e sabemos, o torcedor tem carinho especial por quem vem da base. Nada melhor do que torcer com os gremistas, corneteando os colorados. Tudo o que tenho na vida, eu devo ao Grêmio.
Como está a vida na Itália? Passados 15 meses, você já se sente totalmente adaptado?
Agora, estou mais tranquilo. Estou há 15 meses aqui. Foi complicado no começo, pela questão da língua. Sofri muito com a comunicação nos dois, três primeiros meses, principalmente, com o técnico e os companheiros. Superada essa etapa, foi tranquilo. Falo o italiano fluentemente, até já concedo entrevista. Sassuolo, a sede do clube, é pequena, tem 40 mil habitantes. Por isso, moro em Modena, cidade vizinha, maior.
Modena é metrópole, mais conhecida.
Isso, é como se fosse Porto Alegre, e Sassuolo, Canoas. Tem o museu da Ferrari, as pistas de automobilismo, é uma cidade mundialmente conhecida. A maioria dos jogadores do clube moram em Modena, por ter mais opções de compras, de restaurantes. Em resumo, posso dizer que tudo está mais tranquilo agora, os perrengues aconteceram no início apenas.
Já se acostumou em tomar um vinho no almoço ou no jantar na concentração?
É uma cultura italiana os clubes servirem vinho nas refeições. Cada atleta pode tomar um cálice. No início, eu estranhava: "Pô, que isso, os caras tomam vinho antes do jogo? Que loucura é essa?" Aqui no meu time, tem alemão, marroquino, turco, francês, isso é muito legal. Você vai absorvendo um pouco da cultura de cada um. Sou curioso, gosto de saber das coisas, fico perguntando. Eles também gostam muito de saber sobre o Brasil, tem muito carinho por nós (jogam no clube também o ex-zagueiro do Grêmio Ruan e o ex-lateral-esquerdo do Inter Rogério). Hoje, o Matheus Henrique que saiu do Grêmio é outro. Criei asas. Morava com meus pais em Porto Alegre, hoje moro com minha esposa. Foram muitas mudanças nesses 15 meses.
Que clube você encontrou no Sassuolo?
O Sassuolo subiu em 2012/2013, tem CT novo, posso dizer que é um clube novo, embora tenha 102 anos. O CT é sensacional. Não temos muita torcida, por conta da cidade, que é pequena. Os italianos são apaixonados por futebol, e as torcidas são fortes. O projeto do Sassuolo é pegar o torcedor de amanhã. O clube leva muitas escolas aos jogos. A visão de futuro deles é impressionante. Não contratam jogadores com mais de 30 anos. Pelo contrário, pegam jovens e depois vendem por valores cinco, seis vezes maior. Geralmente, vão três ou quatro jogadores para a seleção italiana. A projeção, para cinco, seis anos, é estar fixo entre os quatro primeiros da tabela.
Você tem jogado pela esquerda, no tripé de meio, ou como primeiro. O que a Itália ajudou na compreensão tática?
Aqui, treinamos bastante, o calendário permite. Vemos muitas críticas no Brasil porque técnico não tem tempo de trabalhar. Quem joga Libertadores, Copa do Brasil e Brasileirão, vivi isso no Grêmio, não tem janela de treino. Aqui, se tem muito tempo para trabalhar. O técnico implanta bem o que quer. Eles são muito táticos, detalhistas. Cada um tem sua função no campo. Eu costumo atuar pelo lado esquerdo. Se ocupo espaço na direita, o treinador fica maluco.
Qual foi o teu choque ao lidar com esse calendário? Como é uma semana de trabalho aí?
Se a gente joga no domingo e a próxima rodada é só no outro domingo, a segunda é de folga. Se joga no sábado e só volta a atuar no domingo da outra semana, temos dois dias de folga. Nesta semana, por exemplo. Jogamos no último sábado, contra a Atalanta, e só voltaremos a campo pelo Italiano na segunda-feira. Ganhamos folga no domingo e na segunda. Treinamos na terça, na quarta e na quinta e voltamos a folgar na sexta. A três dias do jogo, te dão uma folga...
Você estranhou isso?
Tem vez que até brinco com a Thamires, minha mulher: "Nossa, às vezes, dá até saudade daquela rotina no Grêmio, de concentrar, ficar três dias fora de casa por causa de viagem..."
Concentração, nem pensar?
Só quando é fora e requer viagem mais longa. Se o jogo é em casa, nos apresentamos ao meio-dia, na sede do clube, para o almoço. Só a partir daí é que iniciamos a preparação para a partida, com todo aquele ritual.
Você esteve na órbita do Tite em algum momento e foi para a Olimpíada. Para essa Copa, é impossível. Mas com essa experiência na Itália, qual sua projeção para o próximo ciclo?
Antes de falar de mim, deixa eu te contar. Os caras do meu time, principalmente os italianos, me procuram para falar da Seleção. Dizem que seremos campeões no Catar, acham o time muito forte. A expectativa é alta, a maior possível, fomos muito bem nos jogos das Eliminatórias e nos amistosos. Estou ansioso desde já pela Copa, vou torcer para caramba. Sobre minha projeção, tenho de viver a realidade, trabalhar. Não para essa Copa, tenho isso muito claro, o grupo está pronto. Mas com o que adquiro aqui na Itália, para o próximo ciclo é muito possível.
O que a Itália mudou no meio-campista Matheus Henrique?
Mudei algumas coisas no meu biotipo, tive ganho de força. O jogo aqui é muito pegado. Meus amigos aí de Porto Alegre, acostumados a me ver no Grêmio, assistem aos jogos do Sassuolo e me ligam: "Tu não és mais o Matheuzinho do Grêmio, que arrastava os caras, deixava dois ou três para trás". A cultura aqui é diferente, assim como o jogo. Meu técnico é metódico, se você dá três ou quatro toques na bola, ele fica louco. Não pode segurar a bola, o jogo é rápido, a intensidade nos treinos é muito alta. Hoje, me vejo um jogador muito mais evoluído, mais completo.