Na última segunda-feira (7), os clubes deram grande passo na criação de uma liga. Aproveitaram a fragilidade da CBF para negociar troca de apoio: abririam caminho para a eleição do baiano Ednaldo Rodrigues se recebessem a garantia de que não haveria resistência à liga.
Por trás dessa vitória, está a união dos clubes emergentes da Série A, o Forte Futebol, em mais um claro movimento de transformação no mapa do futebol brasileiro. Fortaleza, Ceará, Athletico-PR, Coritiba, América-MG, Goiás, Atlético-GO, Cuiabá, Avaí e Juventude mostraram a coesão que faltou aos gigantes. A coluna foi conversar com o presidente do Juventude, Walter Dal Zotto Jr., sobre o movimento e o futuro imediato da liga.
Como surgiu o movimento Forte Futebol e essa união de forças dos emergentes?
Estávamos recebendo muitas consultas e muito assédio de grupos já querendo trabalhar na estruturação de uma liga, com investidores. Havia uma série de fatores nessa linha. Soubemos que os paulistas, liderados pelo presidente da FPF, e o Flamengo já tinham um termo assinado com a Kodajas Sports Kapital (grupo liderado pelo advogado Flávio Zveiter e pelo executivo Ricardo Fort). Não queríamos ser pegos de surpresa ou, como sempre foi, anuirmos com algum contrato. Criamos um movimento para que tivéssemos forte representatividade.
O fato de serem clubes que sempre estiveram fora dos eixos de decisão e estabelecidos na elite ajudou na união?
Primeiro que nosso entendimento é muito parecido sobre a decisão de criação da liga: não podemos começar pelo investidor. Primeiro, temos de estruturá-la, criar a governança, essas questões primárias, para depois buscar o parceiro. Primeiro, cria-se o produto, depois busca o investidor. Não podemos ter o investidor sem o produto. As questões, para nós, são claras quanto às divisões de valores e os percentuais a serem destinados para a Série B. Esse grupo tem ideia de como deve se proceder porque se baseia em exemplos de ligas europeias, já consolidadas, que vão por essa linha. Temos é que diminuir essa discrepância que existe hoje. Ela é maior no PPV. Na Premier League, a diferença entre quem recebe mais e menos é de 1,6. Na La Liga, 3,5. Aqui no Brasil, é de sete vezes.
O reflexo disso se vê no campo, com clubes periféricos de um grupo seleto, não?
Fica uma competição que não é competitiva. A ideia é criar um campeonato mais atrativo, para ser vendido no Exterior. O objetivo não é reduzir a cota dos que ganham mais. Pelo contrário, pode-se manter essa cota. O que temos de trabalhar é para aumentar o bolo. Assim, se consegue equilibrar a balança.
O que andou na reunião, no Rio, é esse consenso de dar um passo inicial na criação da liga?
O que temos de fazer é estruturar a liga, ter uma empresa que possa criar toda sua situação jurídica, a governança, uma série de fatores. Em resumo, estruturá-la como um todo para depois ir ao mercado. A partir daí, chegarão os investidores, as empresas que se candidatarão a comprar percentual da liga. Temos de avaliar todas essas ofertas com pessoas experientes no mercado e os negócios que estarão atrelados.
Como está esse trabalho de estruturação da liga? É possível apresentar algo em um mês, como ficou combinado na reunião de segunda?
Estamos trabalhando com uma empresa já, para apresentar uma estruturação a esse grupo, a divisão, o percentual que será destinado à Série B. Tudo isso está sendo criado com os representantes do nosso grupo e desses outros seis (os cinco paulistas e o Flamengo), para que possamos sentarmos à mesa. As questões básicas são 99% iguais dos dois grupos. Todos querem alguma coisa. O que temos é de parar de cada um olhar para o seu umbigo. Mas, desta vez, está todo mundo olhando para o mesmo lado.
O Forte Futebol começou com 10 clubes, ganhou adesão de Atlético-MG e Inter e tem Fluminense e Botafogo a caminho. É fundamental que estejam os 20 juntos?
Não sei se precisamos trazer os seis ou nos juntarmos a eles. É uma questão para evoluir, há aspectos que são similares para os dois grupos, tem essa questão da divisão de valores. Os clubes não querem perder. Os interlocutores são fundamentais nesse processo.
Quem são os líderes do Forte Futebol que estarão na mesa de conversas?
Em princípio, serão o Marcelo Paz, do Fortaleza, e o Marcos Salum, do América-MG. O objetivo de todos os clubes é único, porque deram esse passo atrás (de pensar na estruturação da liga). Não gostaríamos é que tivesse um investidor definido já neste momento.
Qual a ideia de destinação para a Série B?
Na Premier League, a divisão é 92% para a primeira divisão e 85 para a segunda. Na La Liga, a relação é 90/10 e na Bundesliga, 86/14. Enxergo o futuro não com divisão entre clubes grandes, médios e emergentes, mas como organizados e não organizados. Ou estruturados e com gestão e sem gestão organizada. O caminho é por aí. Hoje, temos muitos grandes na Série B. O achatamento é grande na Série A. Por isso, temos de encontrar fórmula para que o tombo de quem é rebaixado não seja tão grande no primeiro ano. Defendo que o percentual para a Série B seja de 15% a 20%.
O surgimento das SAFs e as presenças delas nas mesas de negociação dos clubes muda o tom da conversa?
A partir da criação da liga, os valores que estão se pagando pelas SAFs mudarão. É preciso cautela. Estamos analisando esse mercado. O Juventude está numa situação em que, quem chegar aqui, não virá para pagar conta. Mas para investir em infraestrutura, departamento de futebol. O Juventude tem as características para um investidor vir e assumir um clube saudável, com histórico positivo. Temos uma gestão profissionalizada em boa parte dela, nas principais áreas. Não temos briga política, o que é ponto fundamental.
A SAF está no horizonte do Juventude?
Primeiro, precisamos de uma avaliação do clube, para nós termos uma noção do valor. O Juventude só viraria SAF se houvesse um fato relevante agora. O futebol é como se fosse um casamento, enxergamos mais a longo prazo. Teria de ser com um parceiro que tenha de ter expertise no futebol. Não vamos pegar um bilionário árabe, por exemplo, que venha aqui, injete um monte de dinheiro e decida, de uma hora para outra, parar de brincar, já que esse dinheiro seria troco para ele. Um negócio desses teria de ter travas. Por exemplo, o investidor aumentando gradativamente o percentual dele. Tem de colocar travas na negociação, decidir sobre envolver patrimônio. Há várias formas de construir isso. O Juventude, por exemplo, não envolveria patrimônio.
O fato de ter Fortaleza e Ceará no grupo ajuda, pelo sucesso da Liga do Nordeste?
Essa liga é um case de sucesso em termos de venda de direitos. Eles têm experiência. Mas a nossa liga é mais ampla. Existem direitos que nem estamos trabalhando ainda. Por exemplo, os direitos internacionais. Hoje, se ganha muito pouco com isso. Há o ramo de apostas, naming rights.
O senhor acredita que a liga poderá ser constituída a ponto de organizar o Brasileirão 2023?
Dependerá dos clubes, da nossa competência e de nos unirmos em um objetivo único. Se os clubes enxergarem que estão deixando dinheiro na mesa, pode acontecer mais rapidamente. O contrato de TV da Série B acaba em 2023, e o da Série A, em 2024. Estamos atrasados em relação à venda de contratos de TV. Talvez na semana que vem tenha uma nova reunião dos clubes em São Paulo, para apresentação de uma outra empresa candidata a estruturar a liga. Talvez ela já tenha um investidor, o que não nos agradaria. Queremos antes estruturar para depois ir ao mercado.
Essa liderança dos clubes emergentes é mais um sinal da mudança no mapa do futebol brasileiro?
O rebaixamento do Grêmio foi uma grande surpresa para todos. Estava com superávit. Mas não é só pagar em dia que faz diferença no futebol. O futebol está muito nivelado. Sem contar que é o único esporte coletivo em que o melhor nem sempre vence. A Copa do Brasil é um exemplo. Olha quantos clubes grandes ficaram de fora nas primeiras fases. A diferença hoje está na profissionalização, na gestão, na continuidade do trabalho, ter um planejamento e uma linha que não sejam interrompidos por um insucesso. Olha o nosso exemplo: se perdêssemos para o Corinthians, nosso trabalho estava todo errado? Isso não entra na minha cabeça. É um detalhe que fará a diferença no campo.
Por fim, sobre o Juventude. O grupo ainda receberá reforços para o Brasileirão?
Estamos trabalhando para contratar. A ideia é buscar uns sete ou oito jogadores, sendo a metade deles para o time titular. Temos conseguido fazer bons negócios porque temos essa percepção do mercado de que somos bons pagadores. Estamos melhorando a infraestrutura. O CT ganhará uma construção que permitirá aos jogadores se apresentarem lá diretamente para o treino.