Quando a notícia da morte de Diego Maradona correu o mundo, a memória de Vítor Hugo viajou 40 anos no tempo. Foi como se o ex-volante do Grêmio embarcasse nas paradisíacas praias de Porto Rico, onde vive hoje, e descesse em 27 de junho de 1980, no Olímpico. Nessa noite de gelada do inverno gaúcho, Vítor Hugo teve a atuação que marcou sua história como jogador. Por 90 minutos, anulou o jovem Maradona, que aos 19 anos já tinha seu nome correndo mundo afora.
Naquele inverno, o Grêmio inaugurava as arquibancadas superiores do Olímpico. Para amenizar os gastos com a obra, organizou um festival de jogos. O primeiro foi contra o River. Dois dias, o Argentinos Juniors, ou melhor, Maradona.
Se contra o River e o frio e o apetite do torcedor pelo Gauchão, que começaria em alguns dias, desanimaram o público, contra Maradona imaginava-se casa cheia. Era a esperança para uma renda capaz de, ao menos, pagar os caches dos argentinos. O River havia cobrado Cr$ 3 milhões, e a renda de Cr$ 400 mil, deixou prejuízo. O Argentinos Juniors havia cobrado o mesmo valor. Era a chance de equilibrar essa conta.
Mas só 11.001 pessoas pagaram para ver Maradona. Deixaram uma renda insuficiente de Cr$ 928,6 mil e assistiram a uma atuação perfeita de Vítor Hugo. Volante que tinha a linha do meio-campo como última fronteira, o porto-alegrense criado no IAPI já estava na reta final da passagem pelo Grêmio. Formado no Inter, chegou ao Olímpico em 1976, vindo do Coritiba. Naquele time de 1977, histórico pela conquista do Gauchão, formou um meio-campo recitado até hoje: Vítor Hugo, Tadeu e Iúra.
Vítor Hugo nem cogitava jogar. Havia perdido espaço com a chegada do paraguaio Carlos Kiese. Mas, naquela noite, o jovem técnico Valdir Espinosa resolveu fechar o time para enfrentar Maradona. Chamou Vítor Hugo e deu-lhe uma única tarefa: seguir o astro argentino até no vestiário, se preciso.
— Foi a primeira vez que me pediram para marcar homem a homem. Se ele passasse o meio do campo, eu deveria estar em cima. Tive mais sorte do que juízo, ele não estava tão inspirado — conta Vítor Hugo, por telefone.
Para se ter uma ideia do que representava marcar Maradona, o técnico do Barcelona, Helenio Herrera, atravessou o mundo com a mulher para conferir o argentino. O Barça só o levaria dois anos depois. O ditador argentino Jorge Videla viu como negativo para a estabilidade do país perder o maior craque um ano antes da Copa do Mundo.
Herrera, um dos técnicos que havia revolucionado o futebol italiano e europeu com a Inter de Milão, nos anos 1960, foi ao Sala de Redação no dia do jogo e andou por Porto Alegre. Sua mulher fez compras no Mercado Público de artigos ligados à religiões africanas e levou como souvenir para a Espanha. Por onde passavam, ouviam falar de Maradona.
Vítor Hugo conta que sabia do tamanho da missão recebida. Mas pensou: para quem marcou Falcão e Zico, Maradona era mais um:
— Só cuidei para impedir que ele se aproximasse. Como era baixo e forte, usava o corpo para te tirar do lugar. Nessa fração, aproveitava para girar e partir com a bola.
A Zero Hora do dia seguinte valorizou a grande atuação de Vítor Hugo. Maradona também. Através de André Catimba, com quem havia jogado meses antes no Argentinos Juniors, mandou os parabéns para o volante gremista. Ao contrário da maioria dos marcadores, ele o havia marcado com lealdade.
Antes de um amistoso em Mar del Plata, os dois clubes dividiram o hotel. Maradona chamou Vítor Hugo ao seu quarto, à essa época já um bunker guardado por seguranças e assessores. Lá, presenteou-lhe com um abrigo da Puma, sua patrocinadora de sempre. Azul claro com listra grossa azul escura, recorda o ex-volante.
O abrigo se perdeu nas mudanças seguidas de Vítor Hugo. Ele foi para o Palmeiras e rodou até chegar ao Botafogo-PB. Ficou por João Pessoa e ainda atuou pelo Auto Esporte, onde virou técnico. Foi quando um brasileiro radicado em Porto Rico chegou com um menino porto-riquenho para fazer testes no clube. O garoto não ficou, mas Vítor Hugo foi junto.
Aceitou o convite para implantar um projeto de futebol na ilha. Gostou tanto que se radicou. São 31 anos lá. Comandou quase todos os times locais e também as seleções de base e profissional. Até o começo da pandemia, tinha uma escola de futebol conveniada com o Villarreal-ESP. Pretende retomá-la assim que o coronavírus permitir. Os alunos, certamente, ouvirão a história do dia em que o professor anulou Maradona. Se eles não acreditarem, agora, Vítor Hugo tem uma prova documental. Com foto e tudo.