Maradona ainda não era "El Diego" naquele 26 de junho de 1980, quando seu Argentinos Juniors veio a Porto Alegre disputar amistoso com o Grêmio no festival de reinauguração do Estádio Olímpico, reformado com a conclusão do anel superior. Mas já era tratado como fenômeno: mesmo tendo apenas 19 anos, sua presença era saudada nos lugares por onde passava.
Melhor jogador, disparado, do Mundial Sub-20 do ano anterior e quatro vezes seguidas goleador do Campeonato Argentino, era alvo do interesse dos gigantes argentinos e também dos europeus, na então recente abertura do mercado para estrangeiros, ainda em fase inicial. Era esse o contexto que fez os sortudos guris da escolinha tricolor tirarem a foto principal que ilustra essa reportagem.
Mesmo que ambos admitam não lembrar se foram eles a pedir o registro, ou até se ficaram contrariados em ter de parar de correr e jogar para posar ao fotógrafo, orgulham-se de ter obedecido. Tanto João Carlos dos Santos quanto Vladimir Machado puderam guardar a recordação física com um dos maiores ídolos da história da América do Sul, cuja morte, na quarta-feira, causou comoção em todo o mundo, com seu velório levando milhares de argentinos a afrouxarem as medidas de segurança sanitária para a despedida final.
Depois da foto, os guris foram para a arquibancada, na expectativa de ver lances geniais. Mas os relatos da época deixam claro que Maradona teve atuação discreta, anulado pelo volante Vitor Hugo, e restou aos dois e aos outros 11 mil gremistas no Olímpico comemorarem a vitória por 1 a 0, gol de Jorge Leandro.
Além deles, estava na arquibancada também o técnico do Barcelona, Helenio Herrera, que já acompanhava o ainda projeto de craque argentino.
— Lembro do jogo. Tinha 15 anos, fazia parte das escolinhas do Grêmio. Entrávamos em campo com o time, disputávamos preliminares, essas coisas. Mas da foto, em si, não tinha recordação. Minha filha que viu nas redes sociais e me disse: "Pai, é tu ali!". Fiquei muito feliz de saber dessa imagem — conta João Carlos.
Ele tentou seguir carreira como jogador. Passou por outros clubes e esteve até nos juniores do Palmeiras, mas acabou desistindo na hora de se profissionalizar.
— Maradona era meu ídolo depois. Costumo brincar que a gente tinha algumas semelhanças: jogamos no meio-campo, somos canhotos e baixinhos — diverte-se.
João Carlos, porém, não seguiu os passos do pai, que chegou a ganhar a vida correndo atrás da bola pelo Interior. Aprovado em um concurso do DMAE, o departamento de água e esgoto de Porto Alegre, ele mudou de ramo. Ainda acompanha futebol e sonha em ser treinador de meninos. Só diminuiu a frequência no estádio: problemas de saúde e a mudança do Olímpico para a Arena o deixaram mais longe do time do coração.
Vladimir era o mais novinho. Tinha 11 anos à época e também jogava na escolinha do Grêmio. Além disso, seu pai, Edison Mottini, foi vice-diretor do departamento de futebol amador tricolor entre o final da década de 1970 e o início dos anos 80. É a Mottini que Vladimir credita o registro histórico:
— Aposto que foi meu pai que me fez tirar essa foto.
Apesar de não lembrar do contexto, tinha fresca a lembrança de que existia, de fato, a imagem. Quando Mottini morreu, em 2003, Vladimir revirou a casa atrás da foto. Não encontrou. Depois, procurou o arquivo de Zero Hora e conseguiu a recordação. Orgulhoso, mostrou aos filhos o momento em que abraçou o craque argentino.
Vladimir também não seguiu no futebol. Mudou-se para Camaquã, no sul do Estado, onde é advogado. Dessa forma, a recordação é uma memória não só de Maradona, mas também de seu pai:
O gênio Maradona marcou minha vida.
VLADIMIR MACHADO
Advogado, torcedor do Grêmio
— Tenho muito orgulho de ter participado da história do Grêmio, de estar presente em grandes momentos do clube, além de ter jogado na escolinha. Pude conhecer o presidente Hélio Dourado e vários jogadores. Me faz lembrar, principalmente, da minha relação com o clube, e também trouxe muitas lembranças do meu pai — revela.
Quarenta anos depois, os então guris da foto hoje são cinquentões, com vida feita e destinos diferentes. Apesar de estarem no registro histórico, não se conhecem, não sabiam nem dos nomes dos colegas até serem encontrados pela reportagem. Aparentemente, aquele foi o único encontro entre João Carlos e Vladimir. Abençoados pela "mano de Dios".