Eduardo Coudet e Domènec Torrent começaram a semana no caldeirão do Brasileirão e a fecharão na Galícia e na Catalunha, respectivamente. Encerraram na segunda-feira (9) suas aventuras aqui nos trópicos. Por caminhos distintos, é verdade.
O argentino, em um rompante de indignação, decidiu fazer as malas e deixar o Inter. O espanhol foi convidado a fazer as suas no Flamengo. Há, nesses dois trabalhos encerrados, algo em comum, quase um recado para os nossos dirigentes: não adianta importar ideias estrangeiras se pensarmos o futebol com cabeça nacional.
Antes de avançar, sobre o caso de Coudet: quero registrar aqui, por justiça, que a pandemia impactou de forma aguda as contas do Inter. Tirou fôlego para investimentos e obrigou o clube a uma ginástica para repor alguns jogadores sem gastar muito. Fechado o parêntese, seguimos para chegar ao cerne dessas duas saídas. Não estamos preparados ainda para receber técnicos como Domènec e Coudet.
Eles são fundamentalistas de suas ideias. Acordam, almoçam, trabalham e dormem agarrados a elas. Morrem por elas, se preciso. Quando se vai buscar um treinador desse perfil, é preciso ter bem claro que junto vem um pacote no qual estão incluídos a forma de pensar o jogo e os conceitos que aplicam nele. E eles são inegociáveis.
Lendário
Coudet sabia da falta total de recursos. Tanto que, logo depois da retomada do futebol, resignou-se com a implosão do planejamento feito pelo clube a partir dos danos econômicos da pandemia. Revelou que o novo cenário o havia sido apresentado e que topara seguir no projeto.
O argentino só não imaginava que isso poderia forçá-lo a, mesmo que ocasionalmente, mexer em suas ideias de jogo. Como elas são inegociáveis, veio o curto-circuito. A insistência por jogadores que permitissem mantê-las mesmo trocando peças criou zonas de atrito com a direção. Até que veio a saturação e o pedido de demissão quase por impulso.
O dirigente brasileiro não está acostumado a esse fundamentalismo dos técnicos estrangeiros. Aqui nos trópicos, os treinadores são norteados pelo emprego. Adaptam-se ao contexto para seguir no cargo. Não os condeno. Vivemos em um futebol no qual o tempo médio de permanência no comando de um clube da Série A é de seis meses. Por isso, treinadores buscam o resultado antes de qualquer outro propósito. Precisam dele para criar alguma raiz no cargo e, em um segundo momento, mais respaldados, aplicar suas ideias e ousar um pouco mais.
No caso de Domènec, a razão para sua saída foi bem menos sutil. O Flamengo buscou um técnico cujo principal selo era o jogo de posição. O catalão passou uma década como a voz da razão no ouvido de Pep Guardiola, o responsável por transformar em taças esse modelo de futebol. Ou seja, o mundo sabia quem era Dome e que usava como referência mais o espaço no campo e menos a bola. Uma visão totalmente contrária à de Jorge Jesus, o seu antecessor, cuja filosofia de futebol tem como referência a bola. O jogador precisa persegui-la e, por ela, ele permite até mesmo um caos organizado.
Dome teve cinco dias livres para treinar antes da estreia e virar essa chave. É evidente que promover essa mudança de estilo requer tempo. O que, no futebol brasileiro, é artigo raro. Mais ainda neste ano atirado de pernas por um vírus. Em 2020, não existe agenda para treinar. Mas, vamos combinar, no velho normal também quase não existia. E aqui entra outro desalinho quando se busca ideias estrangeiras, mas se pensa o futebol com cabeça nacional. Técnicos de fora não trabalham por demanda, mas por projetos. O que significa longo prazo para mecanizar nos jogadores os movimentos que alimentam seus conceitos de jogo. Quando se faz isso? Nos treinos. Só que, no Brasil, joga-se muito e treina-se pouco. Nem tivemos pré-temporada – e olha que foi antes da pandemia.
O Inter, por exemplo, teve 13 dias entre a apresentação e a estreia no Gauchão. Portanto, meus amigos, as saídas de Coudet e Dome no começo desta semana deixaram um recado bem claro. Estamos pensando na ideia antes de revisar a prática. Trazer técnicos estrangeiros não resolverá o sério problema de calendário que temos. Muito menos ajustará a pressa por resultados que norteia o futebol brasileiro. Os gringos que se despediram na segunda-feira passada saíram sem conceder entrevistas.
Mas, para o bom entendedor, meia palavra basta. Deixaram, no silêncio, a dica deles para nós.