Descobrimos a Europa! Passados mais de 500 anos, descobrimos que a bola pode também vir de lá. Não na mesma velocidade, não na mesma juventude, tampouco na mesma frequência. Mas há uma pista dupla sobre o Atlântico que esta janela do inverno aqui dos trópicos nos mostra. O São Paulo apresentou nesta sexta-feira (9) Juanfran, 34 anos, lateral-direito eficiente e discreto nestes últimos oito anos e meio em que o Atlético de Madrid saiu da sombra galáctica do Real e recuperou o peso e sua camiseta. Juanfran tinha ofertas do Chicago Fire, dos EUA, e de um clube do Catar.
Na Espanha, fala-se também de interesse de uma equipe japonesa. Em todos, receberia bem mais. Mas optou pelo Brasil em um momento no qual os cenários econômicos e sociais não recomendariam a alguém trazer para cá sua mulher e seus filhos. Afinal, não anda fácil viver no Brasil neste final de década em que insistimos em retroceder no campo das ideias. Mas, enfim, Juanfran veio. Assim como seu compatriota Pablo Marí topou o desafio de resolver os problemas da zaga do Flamengo, e o português Jorge Jesus, colocá-lo na rota dos títulos.
Há um ponto de partida nesses movimentos dos clubes que precisam ser comemorados. Os clubes brasileiros, depois de perceber o mercado sul-americano nesta década (algo que, modéstia à parte a dupla Gre-Nal faz desde os anos 1970), viram que há um nicho na Europa a ser colocado no radar. Nunca competiremos, evidentemente, com um Arsenal, um Bayern ou um PSG. Jamais. Mas poderemos garimpar (bons) jogadores que saem desses clubes acostumados a brigar por taças e, talvez, não queiram passar o resto da carreira em ritmo de aposentados.
Até pouco tempo, a Turquia era o destino predileto de jogadores na faixa dos 30 anos colocados na prateleira pelos grandes da Europa. Em Istambul, eles encontravam salário compatível com o que recebiam nos grandes centros, clubes de massa com vagas nas ligas europeias e poucas horas de voo até em casa para uma visita rápida. Tudo isso empacotado por uma paixão desenfreada pelo futebol. Só que as questões políticas na Turquia nos últimos anos tiraram o brilho desse mercado. O México entrou em cena, com seus clubes-empresas, para ocupar esse vácuo. O Tigres levou o centroavante francês Gignac em 2015, por exemplo. Neste ano, seu rival, o Monterrey acaba de contratar o atacante holandês Janssen, 25 anos e de trajetória atrapalhada no Tottenham pelas lesões.
A Argentina também se ensaia para ser um porto de entrada de europeus. A sensação neste inverno em Buenos Aires é o italiano De Rossi, 36 anos, que fechou seu armário histórico na Roma e desembarcou numa Bombonera convulsionada de orgulho pela sua escolha. De Rossi, na entrevista de apresentação, soltou uma frase que precisa ser anotada pelos diretores executivos dos grandes clubes brasileiros: "Todo o jogador deveria passar por essa experiência que estou tendo no Boca".
Esse é o segredo e o nosso trunfo nesse mercado europeu. Há jogadores lá que buscam nos últimos anos da carreira justamente essa sensação de jogar futebol para quem sente o futebol no coração, tem o amor pela bola correndo nas veias. Ainda estamos no caminho para buscar a organização europeia, a visão de negócio com que administram seus clubes e do sucesso que isso traz. Eles são craques na gestão. Só que falta alma em muitas de suas arenas. E isso nós temos de sobra aqui, com a nossa paixão desmedida pelos nossos clubes e pelo jogo. Foi o que De Rossi veio encontrar no Boca. Foi o que evitou Juanfran de ter uma vida milionária e monótona nos campos de grama sintética dos EUA ou nas noites quentes do Catar.
Evidentemente que esse novo mercado não é para todos os clubes no Brasil. Talvez seja restrito, hoje, aos maiores orçamentos. Conversei nesta semana sobre o tema com Fernando Ferreira. Economista especializado nas questões de gestão e finanças do esporte, sócio-diretor da Pluri Consultoria, Fernando sabe como poucos esquadrinhar o cenário da bola. A única ressalva dele em relação a esse movimento dos clubes é que eles precisam ser criteriosos nas escolhas. Nem todos os perfis se encaixam no modelo oferecido aqui no Brasil. O salário a ser recebido é quase o mesmo pago na Europa, mas há particularidades nossas às quais terão de topar: Estaduais, calendário, viagens longas e até mesmo a concentração, algo pouco usual por lá. Mas quem sabe essa onda de importação que começa a crescer também não traga junto um outro olhar ao futebol brasileiro. Que nos faça evoluir sem perder o nosso DNA apaixonado. Aliás, é por causa dele que eles estão vindo.