O majestoso Wanda Metropolitano verá neste sábado (1º) um técnico ser alçado de forma definitiva ao Olimpo dos treinadores da Europa. De um lado estará o argentino Maurício Pochettino, nascido há 47 anos na pequena Murphy, cidade à beira da Ruta 33, a estrada que leva a Rosario. Do outro, o alemão Jürgen Klopp, 51 anos, nascido em Stuttgart e criado nas barbas da Floresta Negra, em Glatten, uma cidade tão minúscula que ele se diverte contando que, na sua infância, havia 1,5 mil moradores, mas hoje são 1.499.
Pochettino e Klopp são personagens à parte na final deste sábado da Liga dos Campeões. É por causa deles que o jogo mais glamouroso do planeta será disputado por dois intrusos. Porque, vamos combinar, Tottenham e Liverpool contrariaram a lógica e o poder econômico ao garantir passe para estar em Madri neste sábado. Graças aos seus técnicos, esses dois ingleses cheios de tradição podem mudar suas histórias.
O retrospecto recente dos dois clubes se confunde com a trajetória dos seus técnicos. E o legal disso é que traz para a vida real uma Liga dos Campeões cada vez mais estelar. Tanto Pochettino quanto Klopp sabem que, para um deles, o domingo será o primeiro dia do resto de uma nova vida. Não que tenha de esquecer a velha vida. Nada disso. Até porque a história deles é sensacional. O começo de Pochettino, por exemplo, é daqueles de filme. Marcelo Bielsa, à época em busca de talentos para o Newell's, pegou seu carro e dirigiu cerca de 200 quilômetros até Murphy atrás de um garoto de 14 anos que, diziam, era o craque da região.
Passava da 1h quando o treinador bateu na casa dos Pochettino. A família se sobressaltou. Ao abrir a porta, estava a figura indistinta de Loco Bielsa. Queria conhecer o tal craque. Os pais argumentaram que era tarde, que o filho tinha aula cedo da manhã. Bielsa insistiu, disse que gostaria apenas de olhá-lo. A família consentiu, e ele se dirigiu ao quarto onde o guri dormia. Levantou as cobertas, fitou-o e, para justificar aquela loucura, concluiu ali mesmo:
— As pernas são de um grande jogador!
Dias depois, Pochettino desembarcou no Newell's. Sete anos depois, estava na zaga do time que perdeu a Libertadores para o São Paulo. Dali, foi para o Espanyol, depois PSG, Bordeaux e voltou à Catalunha para encerrar a carreira em 2006. Nesse meio tempo, disputou Copa América e Copa do Mundo com a seleção. Em 2009, era auxiliar do time feminino do Espanyol e recém havia finalizado uma pós-graduação em gestão financeira quando o clube o chamou para salvar o time principal do rebaixamento. Pochettino ficou mais dois anos. É para o Espanyol o que Guardiola é para o vizinho e gigante Barcelona.
A história de Klopp é mais ou menos parecida. O alemão espigado era apaixonado pelo futebol. Só que a bola nunca morreu de amores por ele. Na adolescência, jogava no SV Glatten, time do seu povoado. Era o capitão. Ponto. O craque era um outro Jürgen. O TuS Ergenzingen, time forte da região, foi buscar esse Jürgen. O guri recusou o convite ao perceber que teria de viajar 40 quilômetros para treinar. O que o pai de Klopp topou fazer para levar o filho. Assim, o técnico do Liverpool iniciou sua carreira.
Sua vida ganhou rumo aos 22 anos. O Mainz havia subido de divisão e precisava de um jogador com força física e bom cabeceio — seu únicos atributos. Klopp começou como atacante, recuou para meia e acabou lateral-direito. Foram 18 anos no Mainz. Em 2000, migrou do campo para a casamata. Quatro anos depois, levou o time à Bundesliga. Até que, em 2008, chegou ao Borussia Dortmund. Tinga estava no clube quando ele desembarcou lá. Os dois eram vizinhos de rua, cinco casas o separavam. Pela manhã, conta o ex-volante, era possível ver Klopp empurrando o carrinho de bebê do filho, o retrato da serenidade. À tarde, no campo, ele se transformava, cobrando com a firmeza dos grandes líderes.
Tinga é um admirador do alemão. Isso que foi ele o responsável pela sua saída do Dortmund. Numa segunda-feira, a diretoria o chamou e avisou-o de que estava fora dos planos para 2010/2011. No dia seguinte, o ex-volante saía de casa para ir ao treino quando um conversível parou atrás do seu carro e buzinou com insistência. Era Klopp.
— Vem comigo, deixa o carro aí.
Tinga não entendeu. Estava, confessa, um tanto furioso com a decisão. Confuso com a situação, disse para si mesmo: "O cara me dispensa e agora quer me dar carona?" Mas topou o convite. No caminho até o CT, com transparência, Klopp explicou as razões da mudança, fruto de um plano para rejuvenescer o time e fazê-lo jogar com transição mais rápida. O alemão fez mais. Disse a Tinga que ele tinha mercado para seguir na Bundesliga, mas o aconselhou de que deveria atuar em determinados sistemas se quisesse seguir em alto nível. Antes de chegarem ao CT, Klopp ainda fez um pedido:
— Temos ainda cinco meses de temporada. Nosso projeto só vai dar certo se nos classificamos para uma copa europeia. Tu és importante para o time. Posso contar contigo?
Tinga, é claro, se entregou de corpo e alma ao time. Saiu do Dortmund com uma linda homenagem do clube, com direito a flores, placa e volta olímpica aplaudido pelo estádio. O maior prêmio, porém, foi a lição de vida que ganhou de Klopp:
— Aprendi nesse episódio a separar as relações e saber que tudo tem seu tempo. Tenho um baita respeito pelo Klopp.
É por histórias como essas que a final deste sábado é um jogo dos técnicos. Por causa deles, a Liga dos Campeões ganhou contornos de vida real.