Vai além de Pedro Geromel a contribuição da dupla Gre-Nal para a Seleção Brasileira nesta caminhada russa rumo ao hexa. Saíram direto da Arena e do Beira-Rio outros quatro profissionais que estão a serviço de Tite para a Copa do Mundo. Boa parte da torcida nem os conhece, mas a atuação deles nos bastidores é decisiva para permitir aos jogadores entrarem em campo 100% concentrados na bola.
O time Gre-Nal começa pela seriedade do segurança Fernandão, passa pelas mãos mágicas do massagista Marquinhos, segue com o conhecimento científico do fisiologista Luiz Crescente e ganha arremate com o olhar tático sobre os rivais do analista de desempenho Maurício Dulac. Passa pela eficiência deles também o sucesso na conquista da Copa da Rússia.
Por trás das cortinas da mais badalada seleção entre as 32 do Mundial, eles integram a supercomissão técnica capitaneada por Tite. Cada um na sua área e ao seu jeito, contribuem na criação do cenário ideal para que Neymar e cia brilhem. Até porque, sozinhos, craques não são nada.
Fernandão, o último a dormir
Podem passar por Miranda. Ou driblar Casemiro. Até deixar Geromel para trás. Mas por Fernandão ninguém passa. Até porque só sendo insano para desafiar seu corpanzil de 119 quilos espalhados em 1m95cm, que parece maior com o sorriso raro no trabalho. Tanta firmeza fez do cachoeirense Luis Fernando Cardoso, 56 anos, um dos cinno seguranças da Seleção na Copa da Rússia.
Faz quatro anos que Fernandão empresta ao Brasil o serviço de excelência que desempenha no Grêmio há 18. Aliás, sua chegada ao clube foi quase acidental. Trabalhava como segurança em um bar. O conselheiro gremista Kevin Krieger o convidou para trabalhar no clube. Mas com a ressalva: como a gestão acabava em seis meses, o seu futuro era incerto.
— Depois desse período, tu te viras — avisou Krieger.
Hoje, Fernandão acha graça da situação. Até porque, ao final desse período, já havia sido chamado para fazer a segurança do time principal.
Até me arriscaria a dizer, de longe, é claro, que Fernandão é só tamanho. Seu corpanzil contrasta com seu temperamento. Trata-se de um boapraça. Atua mais para apaziguar do que para atacar. Pouco usa sua mão do tamanho de uma raquete. Sua presença, no entanto, intimida. Pouquíssimos jogadores se aventuraram a (tentar) burlar sua segurança. Nas viagens, é quem zela pela privacidade dos atletas. Ninguém entra e ninguém sai sem passar por ele. Quando a Seleção veio a Porto Alegre enfrentar o Equador, em agosto, duas meninas invadiram o hotel de madrugada e se encaminhavam ao andar dos jogadores. Como um raio, Fernandão e os seguranças as colocaram para fora. Sem usar a força, claro. Mas ficou a lição básica de quem vigia um grupo avaliado em R$ 3 bilhões:
— Não precisa dormir muito. Isso vou fazer quando morrer.
Dulac, o espião tático de Tite
Faz algumas semanas que Maurício Dulac respira Copa do Mundo. Mais do que o Mundial, ele dorme e acorda esquadrinhando Suíça, Costa Rica e Sérvia, as primeiras rivais na Rússia. Além de Croácia e Áustria, as rivais nos últimos amistosos antes da estreia, em Rostov, no dia 17.
Dulac dividiu até segunda-feira à noite sua rotina de auxiliar-técnico do Inter com as tarefas de analista de desempenho da comissão técnica de Tite. Caberá ao porto-alegrense esmiuçar os adversários do Brasil na caminhada ao hexa e entregar seus segredos para Tite.
O cargo é de confiança. Mas isso é algo que sobra na relação de Dulac com o técnico. Os dois se conheceram na passagem de Tite pelo Inter, em 2008. Na época, o guri de 28 anos impressionou o técnico e seu auxiliar, Cléber Xavier, pela capacidade de analisar os rivais e detalhar o jogo do campo.
Tite saiu em 2009, mas os telefonemas e trocas de e-mails discutindo esquemas táticos e as transformações na forma de jogar o futebol nunca cessaram. Na Copa de 2014, depois de cada jogo, o técnico, Cléber e Dulac faziam uma espécie de teleconferência.
Quando voltou à Seleção em 2014, Dunga levou junto Dulac. A missão na CBF era criar um banco de dados de jogadores. Depois de dois anos no Rio, o analista voltou ao Inter. Tite topou dividi-lo com o clube. Sem, é claro, abrir mão dele na Copa.
Crescente virou o Dr. Resenha
Os jogadores da Seleção costumam nas concentrações, depois do jantar, bater o ponto na sala da fisioterapia. Ali, fazem um trabalho de recuperação, amenizam algumas dores e, é claro, passam o tempo jogando conversa fora. Não demora para que, assim que lotadas as macas, alguém indague:
— Cadê o Dr. Resenha?
O Dr. Resenha, no caso, é o médico fisiologista do Inter Luiz Crescente, cuja altíssima capacidade e conhecimento fizeram dele o responsável por mapear o físico da Seleção há quatro anos.
Crescente mesmo entrega seu apelido. Acha graça. Assim como se diverte contando histórias e elevando o astral por onde passa.
A conversa no final da noite serve para aliviar a tensão de quem vive sob alto grau de exigência. Serve para atletas e, também, para quem faz parte da comissão técnica de Tite. O grau de profissionalismo adotado pelo técnico está no nível das mais europeias comissões técnicas.
A rotina é pesada. Crescente monitora cada passo dos jogadores no campo, analisa exames e acende o alerta a cada sinal de desgaste físico. Cabe ao fisiologista monitorá-los para evitar lesões e repassar, na reunião diária da comissão, pela manhã, quem está vulnerável.
Para a preparação visando à Copa, a comissão ganhou da CBF um centro de excelência e equipamentos novos capazes de acompanhar em tempo real os atletas nos treinos. Um novo software, americano, é capaz de mostrar os níveis de glicogênio, o combustível dos músculos. O extremo da cientificidade. Que não é nada sem uma boa resenha depois da janta.
Marquinhos foi antes para organizar a bagagem
Marco Aurélio Zeilmann, 52 anos, é bastante conhecido no futebol como Marquinhos. Mas, pasmem, ele identifica poucos no futebol. Tem dificuldade de associar os nomes aos rostos em um primeiro momento.
Quando chegou à Seleção Brasileira para ser um dos massagistas, levou no bolso uma cola. Printou uma folha com a convocação do jogadores, em que havia uma foto e o nome embaixo. Sabia quem eram os mais famosos ou aqueles com quem havia estado no Grêmio ou enfrentado em algum dos Gre-Nais pela base e pelo profissional nos últimos 25 anos.
Em dos seus primeiros treinos na Seleção, o volante Fernandinho se aproximou da beira do campo e gritou:
— Marquinhos, pega um agasalho lá na rouparia.
Como um raio, o massagista correu para o vestiário. Mas havia um obstáculo. Como o material de treino é individual, ele precisava identificar ao roupeiro quem havia pedido o agasalho.
No meio do caminho, parou, tirou sua cola do bolso e fez o reconhecimento de quem era o jogador. Pimba, ali estava a foto de Fernandinho. A missão estava cumprida.
— Para nomes, sou um "sono", a gurizada se deita em mim - diz Marquinhos.
Depois de uma Copa América, em 2015, a medalha de ouro olímpica e amistosos e jogos das Eliminatórias, o massagista conhece todos pelo nome e sobrenome. Está pronto para a Copa da Rússia. Aliás, é dele e do outro massagista, Serginho, do Palmeiras, e dos três roupeiros a missão de organizar a bagagem com uniformes, medicamentos e outros utensílios que serão usados no vestiário. Desde o dia 16, arrumam os cerca de 300 volumes vão à Europa. Além, é claro de aliviar com as mãos as dores de pernas entre as mais valiosas do planeta futebol.