O Grêmio faz justa homenagem ao inaugurar busto de bronze de Lupicínio Rodrigues na esplanada da Arena. Se já não bastasse a torcida apaixonada de um dos compositores mais importantes do Brasil, Lupi é o autor do hino do clube. Da criatividade do músico saíram as frases e a melodia cantada ou cantarolada pelos torcedores desde a infância.
No livro Almanaque do Lupi, o jornalista Marcello Campos revela detalhes sobre a criação, originalmente intitulada Marcha do Cinquentenário. Em 1953, antes das comemorações dos 50 anos do clube, Lupicínio recebeu convite do gremista Ernesto Cros Valdez, do Diário de Notícias, enviando como emissário o jornalista Wilson Müller, colorado, companheiro de noitadas do compositor. Lupi aceitou a missão de fazer a música para marcar a data.
Em entrevista à revista Placar, na década de 1980, Wilson Müller - falecido em 2013 - contou que o poeta prometeu que o hino estaria pronto no dia seguinte. Cumpriu. Depois fazer o rascunho e cantarolar a música, foram convocados, na Rádio Farroupilha, o pianista Ruy Silva (partitura), o maestro Salvador Campanella (orquestração) e o cantor Silvio Luiz (vocal). Eles gravaram a versão orquestrada.
Os alto-falantes do Estádio da Baixada reproduziram pela primeira vez a gravação em 16 de agosto. Naquele domingo, o Grêmio venceu o Aimoré, de São Leopoldo, por 2 a 0 pelo Citadino. A marcha viria a substituir o outro hino, o segundo da história do clube, composto sete anos antes por Breno Blauth e gravado por Alcides Gonçalves.
A letra de Lupi imortalizou duas frases: "com o Grêmio onde o Grêmio estiver" e "até a pé nós iremos". A primeira surgiu a partir de uma faixa colocada no Fortim da Baixada pelo torcedor Salim Nigri, que morreu em 2010. No pano, estava escrito "com o Grêmio onde estiver o Grêmio". Virou um lema do clube. Lupi fez a inversão de palavras, porque a rima ficaria melhor colocando "com o Grêmio onde o Grêmio estiver".
— O hino consegue descrever o espírito do clube - elogia o jornalista Léo Gerchmann, autor de sete livros sobre o Grêmio, incluindo um sobre Salim Nigri.
A célebre frase "até a pé nós iremos" surgiu de uma experiência do compositor como torcedor. Ele escreveu depois que gremistas precisaram caminhar até o estádio durante uma greve no transporte. Qual a partida? Um clássico Gre-Cruz, me contaram Marcello Campos e o coordenador do Museu do Grêmio, Carlos Eduardo Santos.
Em 21 de junho de 1953, o Grêmio venceu o Cruzeiro por 1 a 0. O Estádio da Baixada lotou, mas não foi fácil a chegada da torcida. Em 19 de junho, motoristas e cobradores de ônibus da Soul começaram uma greve por melhores salários. Nos dias seguintes, conseguiram adesão de colegas de outras empresas. O transtorno foi grande na cidade, a ponto da prefeitura colocar até caminhões com bancos para atender os passageiros nos bairros.
A Carris, que pertencia à norte-americana Bond & Share, teve adesão parcial. Em algumas linhas, todos pararam. Em outras, a capacidade foi reduzida, porque veículos foram deslocados para atender áreas com adesão maior dos grevistas. Uma das linhas prejudicadas foi a Independência, atendida por ônibus e bondes. Os veículos em operação ficaram superlotados e nem todos conseguiram transporte naquele domingo. Muitos gremistas precisaram caminhar.
O acordo para acabar com a greve ocorreu em 23 de junho. Ficou acertado envio de projeto à Câmara de Vereadores para abrir crédito e reajustar em 70% salários de motoristas e 60% para os cobradores. Depois da greve, o prefeito Ildo Meneghetti encampou empresas de transporte da cidade, inclusive a Carris.
Lupi, que na adolescência trabalhara como aprendiz de mecânico na Carris, teve no hino inspirado na greve a sua música mais executada até hoje.
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