É difícil que uma discussão consiga avançar no Rio Grande do Sul sem um mínimo de contestação. Não é de hoje que temas importantes patinam porque há quem puxe para um lado e quem puxe para o outro, sem que se consiga encontrar união suficiente para destravar determinada questão.
No debate sobre a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (uma espécie socorro federal a Estados endividados), não seria diferente. Mas, a despeito das divergências, o governo de Eduardo Leite havia conseguido avançar sobre o tema espinhoso.
O tempo passou, e o ano eleitoral chegou. E a adesão já não faz brilhar tantos os olhos daqueles que compõem a base aliada do governo gaúcho. O PL, partido do pré-candidato Onyx Lorenzoni, foi um dos que fez acender o alerta sobre o tema, que está na pauta da Assembleia nesta terça-feira (10).
— Nosso questionamento não é ao Regime de Recuperação Fiscal em si, mas em quais termos ele será assinado. Por isso a bancada do PL (de cinco deputados) protocolou pedido de retirada do regime de urgência — explicou o deputado estadual Rodrigo Lorenzoni à coluna.
O mesmo posicionamento vem do pré-candidato e senador Luis Carlos Heinze (PP). Em entrevista ao podcast Zona Eleitoral (GZH) que irá ao ar nesta quarta-feira, Heinze elencou uma série de argumentos que, na visão dele, reforçam o entendimento de que o regime trará prejuízos ao Estado.
Ele diz que não há recursos para pagar o montante estabelecido no acordo e que, assim, as finanças estaduais ficariam sufocadas a ponto de comprometer pagamentos importantes pelo Executivo.
Tanto Heinze quanto Onyx se uniram à ação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que questiona o pagamento da dívida, como mostrou a colunista Rosane de Oliveira.
É importante lembrar aqui que a adesão ao RRF já ocorreu em dezembro de 2021 e foi publicada em 28 de janeiro de 2022 no Diário Oficial da União. O que está em discussão agora é o plano, que precisa, para ser homologado, ter o projeto de lei complementar 48 aprovado pelos deputados. Para aprovação são necessários 28 votos dos 55 deputados estaduais.
Mesmo lado
O curioso nesta história é que o mesmo posicionamento foi adotado por entidades que representam servidores públicos do Rio Grande do Sul, que usualmente estão em posições antagônicas aos parlamentares da direita. Nesta segunda-feira, o repórter Eduardo Matos acompanhou a entrevista coletiva em que esse grupo expôs suas razões para a contrariedade ao acordo.
Um dos argumentos é o de que o Estado já teria quitado essa dívida ao longo dos anos.
— Ele (RRF) convalida uma dívida pública onde já há evidências suficientes, no âmbito de duas ações, de que a dívida ou está quitada ou seu saldo é ínfimo comparado ao que a União tem apresentado — sustenta o presidente do Sindicato dos Auditores públicos do Tribunal de Contas do Estado, Filipe Leiria.
No entendimento das entidades, há necessidade de maior discussão da matéria para evitar uma espécie de engessamento fiscal do Estado.
— Está em jogo o pacto federativo. Com aprovação do PLC 48, o Estado abre mão do papel indutor, e da possibilidade de manter políticas públicas no Rio Grande do Sul. E quem é mais atingido nesse processo é a população que mais precisa desses serviços — disse Antônio Augusto Medeiros, presidente do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul (Sintergs).
Os sindicalistas têm procurado parlamentares para tentar convencê-los a evitar a votação neste momento ou que votem contrário ao projeto apresentado pelo Palácio Piratini.
— Se é tão boa essa renegociação, por que o Eduardo Leite não fez no início do seu governo? Os dois próximos governadores serão que nem a rainha da Inglaterra, vão reinar, mas não vão governar — sustenta a presidente do Cpers Sindicato, Helenir Aguiar Schürer.
Liminar
Como exigência para adesão ao RRF, o Estado abriu mão das duas ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal que questionavam a dívida com a União. Uma liminar, inclusive, suspendia o pagamento das parcelas. Em razão da adesão, o Estado segue sem pagar a dívida provisoriamente.
Outro lado
— As regras do regime de recuperação fiscal, inclusive sobre juros e correção monetária, estão expressamente dispostas em lei federal, ou seja, foram definidas pelo Congresso Nacional. A primeira negociação se deu conforme as regras da lei federal nº 9496/97 e a atual está de acordo com a Lei Complementar nº 178/21. Essas leis definem inclusive a forma de incidência e os índices de juros e correção monetária. A adesão, já realizada, se deu com base em Lei estadual de outubro de 2021, e não impede que uma lei federal nova melhore as condições de adesão. Por fim, é um equívoco dizer que o estado perde sua autonomia, pois o conselho tem atribuições apenas opinativas, como se pode ver no art. 7º da Lei complementar nº 159/17 — afirma o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa.
* Colaborou Eduardo Matos