É consenso em Brasília que o depoimento dos irmãos Miranda e o surgimento do caso Covaxin — suspeita de irregularidades no contrato para compra de vacinas contra o coronavírus — leva a CPI da Covid no Senado a um outro patamar. Se antes o foco se dirigia ao negacionismo e a ignorância sobre protocolos científicos praticados pelo Planalto, agora um tema se impõe sobre os demais e pode custar caro, tal como a vacina indiana, ao presidente da República: suspeita de corrupção.
O novo momento trará à comissão ainda mais holofotes e daí o primeiro sinal de alerta já está aceso no Palácio do Planalto. A máxima nos bastidores diz que CPI a gente sabe como começa, nunca como termina.
De início, com repetição de informações já conhecidas pelo público, os depoimentos dados aos senadores traziam um desgaste calculado pela equipe de Jair Bolsonaro. E a aposta era de que, ainda que em evidência, a repercussão negativa não se estenderia até 2022. Em paralelo, o governo trabalharia em medidas populares, como a atualização da faixa de isenção do Imposto de Renda e a recauchutagem do Bolsa Família, para que Bolsonaro pudesse ter (mais) um filho para chamar de seu na campanha eleitoral.
Com as informações reveladas pelos irmãos Miranda, a coisa, contudo, muda de figura. Agora, a investigação busca saber se houve favorecimento de uma empresa para a aquisição de imunizantes e que vantagens servidores do governo levaram para que isto ocorresse. No centro da confusão, um nome despontou na última sexta-feira: o líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP). Foi Bolsonaro, segundo Luis Miranda, quem disse que o "rolo" era do parlamentar.
Além disso, a partir dos novos dados, senadores da CPI da Covid pretendem levar ao STF indícios de que Bolsonaro cometeu crime de prevaricação.
O segundo alerta diz respeito às ruas. O surgimento das suspeitas reveladas do caso Covaxin fez com que os movimentos contra o governo Bolsonaro antecipassem manifestações previstas para as próximas semanas. Agora, mesmo com a pandemia ainda evidente, os grupos se organizam para voltar às ruas em diversas cidades no próximo dia 3 de julho.
As manifestações já haviam chamado atenção em junho, quando brasileiros foram às ruas pedir por vacinas e, em boa parte dos casos, a saída do presidente da República. Em contraponto, Bolsonaro tem realizado motociatas com apoiadores — e uma delas deverá ocorrer em Porto Alegre.
Por fim, há um último elemento relevante a ser observado: o comportamento do Centrão. Como se sabe, é o presidente da Câmara — no caso, Arthur Lira (PP) — quem decide sobre a continuidade ou não de um eventual processo de impeachment do chefe do Executivo. Atualmente, todos estão bem guardados na gaveta. Lira é um dos expoentes do grupo político que hoje está de braços dados com o governo.
E por que isso é relevante? Porque os passos do centrão são incertos, mesmo quando o fisiologismo é moeda de troca nas negociações. Bolsonaro, ainda que tenha prometido "acabar com isso daí" repetiu a velha prática das negociatas em Brasília e loteou cargos em troca da fidelidade dos deputados da turma. Eles lhe permanecerão fiéis? A ver.