Meu amigo Manoel Soares tem paciência, a despeito de tudo que já passou nessa vida, para conversar comigo sobre questões raciais. Pois me disse o Manoel ontem, quando discutíamos o papel da branquitude na luta antirracista:
— Na luta e no enfrentamento ao racismo, eu comparo à corrida de São Silvestre. Sempre vai ter aquele que vai vestido de Batman, querendo aparecer na TV como super-herói, talvez até com uma camiseta e uma hashtag — ironizou.
E seguiu, se referindo ao caminho desgastante, tal como a corrida de rua realizada anualmente na cidade de São Paulo:
— Também haverá aqueles que postam fotos na internet como atletas da causa e acham que estão preparadíssimos, porém no meio da prova abandonam, porque a luta é difícil e precisa ter fôlego pra dar conta de tantos percalços; haverá também os que te oferecerão água no meio da corrida, para que você consiga suportar as adversidades durante seus 15 quilômetros; haverá aqueles que desistirão na primeira curva ou na primeira subida; e haverá quem enfrente dor e conseguirá, depois de muito tempo, cruzar a linha de chegada.
A metáfora do Manoel é didática sobre o quanto é desgastante lutar contra o racismo no Brasil. A luta, que é de negros e deveria ser também de brancos, esbarra em uma estrutura colonial, baseada num processo perverso da manutenção da escravização. Durante muito tempo (o Brasil foi o último país das Américas a abolir um regime nefasto), homens e mulheres negras foram violentados, estuprados açoitados, obrigados a servir a famílias brancas e comercializados por poucos contos de réis.
Daí a necessidade de compreender um primeiro ponto. Tal como escreveu Djamila Ribeiro, é preciso entender que falar sobre racismo no Brasil é, sobretudo, fazer um debate estrutural.
"É fundamental trazer a perspectiva histórica e começar pela relação entre escravidão e racismo, mapeando suas consequências. Deve-se pensar como esse sistema vem beneficiando economicamente, por toda a história, a população branca, ao passo que a negra, tratada como mercadoria, não teve acesso a direitos básicos e à distribuição de riquezas", assinalou a filósofa em seu Pequeno Manual Antirracista.
E disse mais: "É importante lembrar que, apesar de a Constituição do Império de 1824 determinar que a educação era um direito de todos os cidadãos, a escola era vetada para pessoas negras escravizadas". Ou seja, por anos, o Estado brasileiro negou o direito à educação para população negra. É preciso falar sobre isso. É por isso que políticas e ações afirmativas são extremamente necessárias, a fim de corrigir anos de completa ausência e irresponsabilidade por parte do poder público.
A prática antirracista é urgente, como se pode ver. E como tal, todos nós precisamos nos engajar. O caso de João Alberto Silveira Freitas, homem negro morto no supermercado Carrefour em Porto Alegre, vai ensejar uma série de manifestações e posts em redes sociais. Mas é preciso ir além. É preciso agir para corrigir um sistema de opressão violento, que nega direitos e elimina vidas de pessoas negras, dilacerando homens, mulheres e crianças todos os dias. Não podemos nos calar. É preciso encontrar forças para enfrentar esse sistema.
E aqui, uma última observação, partindo ainda da compreensão de Djamila Ribeiro de que na luta antirracista, é preciso ir além de posicionamento moral e individual ."A questão é: o que você está fazendo ativamente para combater o racismo?". Você já parou pra pensar sobre isso?
Lembrou-nos o professor Silvio Almeida, em seu Racismo Estrutural: o silêncio nos torna "ética e politicamente responsável pela manutenção do racismo. A mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou repúdio moral do racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da adoção de práticas antirracistas".
E agora, você vai fazer o quê?