Um primeiro passo na luta antirracista é entender que o racismo ultrapassa a condição de um ato individual, assinala a filósofa Djamila Ribeiro, uma das pensadoras mais importantes sobre o tema na atualidade. Autora de obras como "Pequeno Manual Antirracista", "Lugar de Fala" e "Quem Tem Medo de Feminismo Negro", a escritora defende uma abordagem sobre a questão como "estrutural", ou seja, considerando o racismo um sistema espalhado de tal forma pela sociedade brasileira e suas relações que um observador desatento poderia entender que é parte da lógica "natural" das coisas.
"É como se a sociedade escravista, ao transformar o africano em escravo, tivesse definido negro como raça e demarcado o seu lugar", definiu a psicanalista Neusa Santos (citada por Djamila Ribeiro). Desta forma, com "lugares demarcados" para negros e brancos, a sociedade estruturou suas relações políticas, econômicas e sociais. Isso ao longo de muitos e muitos anos.
De posse deste conhecimento, é urgente um debate profundo sobre o tema, com a adoção de posturas antirracistas para além de repúdio moral a atos isolados.
E é neste contexto que apresenta-se a decisão desta semana do Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo ministro Luis Roberto Barroso. Por maioria, os ministro da corte decidiram por impor aos partidos que o dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral seja destinado de forma proporcional às campanhas de candidatas e candidatos negros.
"Há momentos na vida em que cada um precisa escolher de que lado da história deseja estar. Pois nós do Tribunal Superior Eleitoral, hoje, afirmamos que estamos do lado dos que combatem o racismo. Estamos do lado dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores", anunciou Barroso.
Na prática, conforme explicou reportagem do portal UOL, funcionará assim: se entre os candidatos homens de um partido 60% for de negros, então esse grupo deve receber 60% dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral destinados pela legenda para a campanha das candidaturas masculinas. Da mesma forma, será para candidaturas femininas. Se 40% for de mulheres negras, a proporção deve corresponder também a 40% do total utilizado para financiar todas as candidaturas femininas desse partido.
A decisão, tomada a partir de consulta apresentada pela deputada federal e ex-governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, foi lida como vitória pelo movimento Mulheres Negras Decidem, que busca "fortalecer a democracia brasileira" através da "superação da sub-representação de mulheres negras nas instâncias de poder".
"É um dia histórico para o movimento negro brasileiro! Pois avançamos na superação de umas das maiores barreiras de elegibilidade para a maior população do país. Seguimos na luta por uma eleição antirracista e pelo avanço na efetivação da democracia no Brasil. Os partidos ainda têm tempo de assumir práticas efetivas na realização de eleições antirracistas. O entendimento não impede que os partidos façam valer agora condições mais justas para as candidaturas negras", instiga o texto que tem entre as autoras a professora, socióloga, doutoranda no curso de Sociologia e integrante do Grupo de Pesquisa em Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A perspectiva acima, de quem lidera o movimento, é importantíssima para a compreensão do racismo a partir do ponto de vista de mulheres negras, já que a colunista escreve de um outro lugar de fala: a branquitude.
Em tempo - ainda citando Djamila - é importante reforçar a perspectiva de que para pensar soluções para uma realidade, é preciso antes tirá-la da invisibilidade (Pequeno Manual Antirracista, 2019). Daí a necessidade de lutarmos, também enquanto aliados, por maior presença de homens e mulheres negras nos espaços de poder, em especial na esfera política.
"Não podemos nos satisfazer com pouco. Apesar de termos avançado nas últimas décadas, não podemos achar que foi o suficiente. Não basta ter um ou dois negros na empresa, na TV, no museu, no ministério, na bibliografia do curso. Se disserem que ser antirracista é ser o "chato", tudo bem, Precisamos continuar lutando".