São muitas as perspectivas que podem servir de partida para uma análise das eleições municipais de 2020. E um dos aspectos que merecem destaque é o freio dado pelos eleitores ao movimento "anti-política", que alçou outsiders ao Poder, com força, em 2018.
Se na ocasião venceram candidatos distantes de "tudo que está aí" e mesmo um presidente que se afirmava contra o sistema (embora deputado federal por sete mandatos), desta vez a banda tocou diferente. No Rio de Janeiro, o segundo turno será entre o atual prefeito, Marcelo Crivella, e o ex-prefeito, Eduardo Paes; em São Paulo, entre o prefeito Bruno Covas e Guilherme Boulos, político da esquerda e ex-candidato à Presidência; e em Porto Alegre, entre o ex-prefeito, ex-vereador e hoje deputado estadual, Sebastião Melo, e a ex-deputada federal, ex-deputada estadual e ex-vereadora Manuela D'Ávila.
Registre-se, antes de tudo, que a eleição municipal tem muito mais a ver com os problemas da vida real do eleitor do que com a disputa da lacrosfera entre direita e esquerda. A divisão do país em 2018 também contava com o ingrediente Lava-Jato, ainda em alta (Moro ganhou até bonecos no carnaval do Recife), e com o temor de grande parte do eleitorado de um retorno do PT ao poder.
Dois anos se passaram e o PT segue amargando derrotas com encolhimento nas capitais. Em São Paulo, o partido de Lula teve sua pior votação da história. O candidato à prefeitura pelo partido, Jilmar Tatto, teve apenas 8,65% dos votos válidos. Em crise, aprofundada desde os protestos de 2013, passando pela Lava-Jato, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, a legenda viu o PSOL se organizar e conquistar espaços importantes nas Câmaras de Vereadores, inclusive Porto Alegre.
Isto posto, convém não subestimar a inteligência da população brasileira ou ainda desprezar o pensamento crítico do eleitor. Da eleição de 18, dois personagens da "anti-política" foram acusados de graves desvios de recursos e escândalos de corrupção, em meio à pandemia de coronavírus. No Rio, Wilson Witzel foi afastado, por determinação do STJ, e houve até mesmo pedido de prisão pela Procuradoria-Geral da República.
Caso semelhante ocorreu em Santa Catarina, com suspeitas de superfaturamento na compra de respiradores na gestão de Carlos Moisés. As investigações foram combustível para que se levasse adiante o pedido de impeachment — assim como Witzel, ele está afastado — daquele que havia sido aclamado nas urnas como "bombeiro Moisés", sem nunca antes ter ocupado cargo público.
Ainda é cedo para dizer qual impacto deste cenário na eleição de 22. Mas já dá pra perceber que a política tradicional não deve ser desprezada: o eleitor voltou à ela ao menor sinal de desorganização e desvios de conduta por parte dos outsiders. Em sua rede social o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, disse que é preciso aprender com os erros e entender "que não se pode mais desprezar a política real, prática, do dia-a-dia, que ocorre nos bairros, nos jornais locais e nas câmaras legislativas de cada município".
Ele acrescentou: "em eleições municipais, as pessoas votam no vizinho, no parente, no tio do primo do amigo, no dono do comércio local, no líder da igreja do bairro; ou seja, em pessoas reais, de carne e osso, envolvidas de alguma forma nos problemas reais das comunidades locais". E emendou, sugerindo auto-crítica importante à direita e aos conservadores: "Quem ganha num cenário assim? Quem tem partido, quem tem base, quem tem meios de realizar um trabalho constante para identificar e atrair os agentes mais relevantes em cada cidade. E quem tem tudo isso? A esquerda e os grandes partidos fisiológicos. Quem não tem? A direita".