Começo esse texto com as seguintes premissas: não adianta dizer que: a) os brancos também sofrem; b) a roubalheira começou com o PT; c) a mídia persegue Bolsonaro e foi o índio que colocou fogo na Amazônia; d) a colunista é comunista; ou (ainda que possa ser verdade) a culpa é do Coudet.
O que quero dizer aqui é que mesmo que você encontre evidências que justifiquem qualquer uma das afirmações acima, nada disso vai conseguir maquiar a realidade. É evidente. Existe racismo no Brasil.
Se mais da metade da população se declara, conforme o censo do IBGE, preta ou parda, por que não há ministros negros no Supremo Tribunal Federal? Por que entre os três presidentes de Poder (Congresso, Judiciário e Executivo) não há pessoas negras? Por que, em sua maioria, CEOs de grandes empresas são pessoas brancas? Apresentadores de telejornais são brancos? Juízes, advogados, reitores de Universidade? Você já parou para pensar? E aqui me refiro somente a alguns poucos espaços de poder.
Por isso, insisto. Pare de fingir que não há racismo no Brasil.
É urgente que haja uma discussão profunda e a execução de um conjunto de ações para tentar acabar com um crime perverso, fruto de um regime desumano (escravidão) perpetuado por um sistema estrutural. Na perspectiva escravocrata, mulheres e homens eram vendidos como mercadoria por e para senhores e senhoras brancas. Recebiam chibatadas, socos, pontapés, caso não satisfizessem a vontade de pessoas que se consideravam proprietárias de seus corpos.
Mães foram separadas de seus filhos. Mulheres foram brutalmente estupradas por homens brancos. Não adianta negar a realidade. Fingir que a escravização não existiu não vai tornar o mundo um lugar melhor para se viver. Pelo contrário.
Ocorre que no Brasil há um agravante a partir da abolição, que aliás foi bravamente reivindicada e conquistada por negras e negros. A história que não nos foi contada na escola é que a população (antes escravizada) foi jogada às ruas, sem qualquer previsão de inclusão numa sociedade extremamente racista. Imagine, de uma hora pra outra, ser colocado em "pé de igualdade" com aqueles que já tinham casa para morar e comida para se alimentar. Mulheres e homens negros foram "libertados" (sic) sem casa, sem comida e sem estudo - porque até mesmo o direito à educação os brancos usurparam dos seus semelhantes. A princesa assinou a lei áurea, mas esqueceu da carteira de trabalho.
E mais: foram criadas leis que previam punição para quem estivesse "vagando" pelas ruas. Ora, haveria um branco de vagar pela rua se tinha casa para morar? A quem a lei buscava criminalizar? Não é preciso muito esforço para compreender.
Daí a necessidade de medidas urgentes para corrigirmos anos e anos de exploração, desprezo e racismo estrutural. Nesta perspectiva, acerta - e muito - a empresária Luiza Trajano, dona da rede Magazine Luiza, ao dar um primeiro m passo de ruptura com o que chamamos de "pacto da branquitude", propondo um processo de trainee voltado exclusivamente a candidatos negros. Se você ainda não se convenceu, observe os números. Dentre profissionais contratados para cargos de liderança em São Paulo no ano de 2019, apenas 3,69% eram pretos ou pardos. Mulheres negras são apenas 0,5% do quadro executivo das 500 maiores empresas brasileiras, conforme o portal Uol.
A branquitude precisa urgentemente se repensar. Precisa abrir mão de privilégios. E precisa parar de fingir que não há racismo no Brasil.
Ministro fala sobre racismo estrutural
Em entrevista à Rádio Gaúcha nesta quarta-feira (24), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luis Roberto Barroso, falou sobre racismo estrutural. Ouça e leia abaixo:
- O Brasil é um pais, pelo último Censo que ainda é o de 2010, onde pelo menos 50% da população é Negra. E o que você vê é uma total ausência de pessoas Negras, pretas e pardas como se tem utilizado, em cargos relevantes do país. Seja na iniciativa privada, seja na vida pública. Isso tem que mudar. Se (ao menos) 50% das pessoas são Negras e, portanto, é preciso romper este cerco de discriminação e opressão. Por que são discriminados e oprimidos? Por que existe uma herança da escravidão, portanto há uma dívida histórica, pessoas que foram trazidas à força. Depois com a abolição, não foram integradas a sociedade, foram atiradas a própria sorte e, portanto, começa um processo de marginalização. O país tem um racismo estrutural que exclui o acesso dessas pessoas, e além do que, se você quer ter um país justo, se você quer tirar os jovens da atratividade do crime, você tem que criar símbolos. Os brancos tem seus símbolos e sucesso e os negros também tem que ter os seus símbolos de sucesso. O menino tem que se inspirar é no ministro do Supremo, no ministro de Estado, no CEO de uma grande empresa e não no traficante. Portanto, pra você fazer um país que seja verdadeiramente para todos, você tem que ter símbolos inspiradores e motivacionais para todo mundo. E, portanto, se 50% da população é Negra, é um absurdo o nível de exclusão que nós temos.