É sem qualquer alegria que escrevo o título desta coluna. A dura realidade imposta historicamente à população negra no Brasil (o último país das Américas a abolir a escravização) parece enraizada a tal ponto que sequer os brancos percebem que há racismo em suas atitudes. O jovem rico que diz que Maju só está no comando do Jornal Hoje por ser negra, a patroa que manda a funcionária cuidar do cachorro enquanto assiste com naturalidade à morte do menino Miguel, o fuzilamento do menino João Pedro que foi assassinado pela polícia dentro de casa.
Dói dizer isso. Mas no Brasil, vidas negras não importam.
Ponto importante a ser destacado aqui: escrevo esta coluna de um lugar de fala chamado "branquitude" (se você não conhece o conceito, corra para buscar conhecimento e não passe vergonha). Isso significa dizer que ainda que eu possua boa intenção e empatia com a questão racial, jamais sentirei o horror de ser perseguida num supermercado pela minha cor, ser preterida em uma entrevista de emprego pelo meu cabelo ou ainda ser assassinada por ter meu celular confundido com uma arma.
Este último caso aconteceu no Rio Grande do Sul. O jovem Gustavo, engenheiro - e repare como acrescentamos predicados para dizer que ele merece sim a vida (!) -, teve o celular confundido com uma arma em uma abordagem policial. Resultado: foi executado pela polícia, durante uma abordagem. E aqui cabe uma reflexão um pouco mais profunda que não se encerra rapidamente neste texto: não se trata de julgar a moralidade (ou a personalidade) de quem atirou. É preciso ir além, no debate racial, e não limitar o racismo como um ato individual, como alerta Djamila Ribeiro. Não se trata, portanto, de presumir que o ato é praticado por quem é "do bem" ou "do mal".
A família de Gustavo chora a morte do filho que é, infelizmente, mais uma vítima do racismo estrutural no Brasil, realidade tão bem acomodada na forma como nos relacionamos que sequer é percebida por boa (sic) parte da população. Vidas negras importam? No Brasil, a se julgar por Gustavo, Miguel e João Pedro, não.
É urgente que revisemos posturas. Que busquemos conhecimento e sejamos agentes da mudança. É fundamental que ouçamos, acima de tudo, para construir um ambiente livre de racismo. Eu não quero um novo normal. Eu quero um normal antirracista.