Em texto publicado nesta quarta-feira (3) no jornal O Estado de São Paulo, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, não economizou nas palavras e carregou a artilharia ao fazer referência ao decano do STF, ministro Celso de Mello, e as manifestações pela democracia e contrárias ao governo Bolsonaro. Sem citar Mello nominalmente, o vice atacou quem comparara o cenário brasileiro com o que precedeu o nazismo na Alemanha. Em mensagem recente, Celso de Mello afirmou que o "ovo da serpente" parece "estar prestes a eclodir no Brasil" (em referência à ascensão de Hitler), e clamou a importância de "resistir à destruição da ordem democrática".
À interpretação de Mello coube os adjetivos "irresponsável" e "desonesta". E sobrou e até para os atos contra o racismo, que eclodiram nos Estados Unidos (e também pelo mundo) depois que um policial branco prensou o pescoço de um negro no chão até a morte, em Minneapolis.
"É forçar demais a mão associar mais um episódio de violência e racismo nos Estados Unidos à realidade brasileira. Como também tomar por modelo de protesto político a atuação de uma organização nascida do extremismo que dominou a Alemanha no pós-1.ª Guerra Mundial e a fez arrastar o mundo a outra guerra. Tal tipo de associação, praticada até por um ministro do STF no exercício do cargo, além de irresponsável, é intelectualmente desonesta".
O recado de Mourão tem razão de ser. O governo de Jair Bolsonaro se esforça para classificar as manifestações como atos "violentos", "extremistas" e "terroristas", compartilhando imagens dos atos de vandalismo verificados em Curitiba e São Paulo, por exemplo. Não por acaso. A lógica favorece o governo bolsonarista que cria, a partir dessa interpretação, a necessidade por reprimir os protestos com austeridade. Em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente chamou nesta quarta-feira (3) os manifestantes contra ele de "marginais" e ainda defendeu retaguarda jurídica para atuação policial nas manifestações. Preocupante.
Interessante observar também que ambos - presidente e vice - ignoraram, em seus dizeres, manifestação liderada pela ativista Sara Winter, que produziram imagens muito próximas ao grupo supremacista americano Ku Klux Klan no último fim de semana. O alvo do grupo autodenominado 300 (eram 30), como mostrou o jornal O Globo, foi o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news. "Careca drogado, Alexandre descarado", gritavam em frente ao STF.
O radicalismo não é bom para nenhum dos lados porque dá chance para emergir o obscurantismo - tudo o que não precisamos neste momento.
Mais do que nunca o Brasil necessita de prudência e responsabilidade. A se considerar a reunião ministerial de 22 de abril, vai ser difícil saber como e de onde virão.