A revelação da viagem de ministros flamenguistas do Tribunal de Contas da União a Abu Dhabi, que torrará R$ 60.000 somente em diárias, escancara mais uma vez o afastamento de personagens de Brasília da realidade de milhões de brasileiros. Contou o jornalista Robson Bonin, na coluna Radar da Revista Veja, que os ministros Benjamin Zymler e Augusto Sherman (ambos torcedores do Flamengo) se deslocarão com dinheiro público para uma conferência de combate à corrupção em Abu Dhabi, nos arredores da grande final no Qatar. Sim, você leu certo: R$ 60 mil reais. Dinheiro da Viúva, como gosta de dizer Elio Gaspari.
O tal seminário está previsto para ocorrer entre os dias 16 e 21 deste mês. Zymler e Sherman, porém, decidiram partir antes e voltar mais tarde para o Brasil, contemplando neste roteiro as datas da grande final do Mundial de Clubes, no Qatar. Coincidência, claro. Sherman, por exemplo, embarcará no dia 13, mesma data da partida do Flamengo para o mundial. O retorno está programado para 23, dois dias depois da partida final.
Serão R$ 60 mil reais pagos em diárias com dinheiro arrecadado dos nossos impostos que deveriam fazer frente à série de problemas que o Estado precisa solucionar: filas no SUS, falta de remédios, graves questões de segurança pública e desemprego recorde, só para citar alguns. Informou GaúchaZH, em novembro deste ano, que o número de brasileiros que vivem na pobreza extrema, com ganho diário inferior a US$ 1,90, chegou a 13,5 milhões de pessoas em 2018, um contingente superior à população do Rio Grande do Sul.
É assustador que ministros que deveriam zelar pela aplicação desses recursos públicos não percebam a excrecência de uma viagem como essa.
Diz ainda o colunista Robson Bonin que a “coincidência” da escalação dos ministros — ambos flamenguistas — está causando revolta entre servidores do tribunal. E não poderia deixar de ser. Alguém consegue ver razoabilidade na ideia? Talvez não haja surpresa — o que é bem diferente de razoabilidade. Afinal, o mesmo Tribunal de Contas da União (TCU) avalizou a licitação do Supremo Tribunal Federal (STF) concluída em maio que prevê refeições com medalhões de lagostas, vinhos e espumantes premiados.
Enquanto ministros continuarem ostentando viagens de luxo e medalhões de lagostas com molho de manteiga queimada com dinheiro do contribuinte, será difícil convencer o cidadão a acreditar na política como a maneira de reformarmos um país onde o compadrio e a não diferenciação entre público e privado se faz presente desde os tempos de Cabral (o Pedro Álvares, não o Sérgio). Exigir lisura e transparência dos governantes continuam sendo fundamentais na democracia. Mas acreditar na correção dos rumos, ao constatarmos notícias como essa, anda mais difícil do que bater o Flamengo de Jorge Jesus.
Procurada pela reportagem, a presidência do TCU divulgou a seguinte nota:
"A presidência do TCU esclarece que os ministros estarão exclusivamente em Abu Dhabi, para a participação, com outras autoridades do governo, da importante conferência contra corrupção da ONU. Ambos retornarão ao Brasil imediatamente após o fim da conferência, na manhã do dia 22".