"Nós não caminhamos sós" é a frase melancólica estampada, ainda hoje, na entrada do antigo Hospital Colônia Itapuã. Fundado em 1940 em Viamão, a cerca de 50 quilômetros de Porto Alegre, o lugar um dia foi chamado de “leprosário” e marca a história da saúde pública do Estado.
Abandonado e decrépito, o estabelecimento é tema de um novo livro, organizado pelos historiadores Juliane Serres e Éverton Quevedo. Com distribuição gratuita (veja abaixo), "Hospital Colônia Itapuã: entre a Saúde e o Patrimônio" (Editora Fi, 227 páginas), alerta para o destino incerto do lugar e da memória esquecida sob os escombros.
O hospital surgiu numa época em que não havia tratamento para a “lepra” (como era chamada a hanseníase no passado). Até 1962, o conjunto de prédios erguido em um santuário verde próximo ao Guaíba funcionou como área de isolamento compulsório, carregada de estigma.
Por anos, o local acolheu pessoas apartadas do convívio social de forma traumática — algumas delas desde crianças. Mesmo depois da cura, muitas ficaram no lugar até o fim da vida, porque já não tinham ninguém.
Com o tempo, o hospital também passou a receber pacientes psiquiátricos, até fechar as portas definitivamente em 2024, ao completar 84 anos.
— A ideia do livro surgiu nesse contexto de incertezas sobre os rumos do local. Mais de 2 mil pessoas chegaram a passar por lá. Felizmente, não precisamos mais de instituições assim, mas e a história desses lugares? Preservar esse patrimônio é, também, resguardar uma parte importante da memória do século 20, inclusive para que possamos entender como a sociedade lida com seus medos diante de doenças contagiosas — explica Juliane, professora do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Depois de tudo o que vivemos durante a pandemia de covid-19, o tema ganha ainda mais relevância.
Velhos conhecidos
Juliane Serres e Éverton Quevedo, doutor em História, museólogo e membro Titular do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, conhecem como poucos o objeto de estudo.
Entre 1999 e 2000, ambos participaram de um projeto da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no local, para o levantamento e a catalogação do acervo.
Estive lá e, como repórter em formação, testemunhei o trabalho e escrevi sobre a iniciativa, que coincidiu com a criação de um Centro de Documentação e Pesquisa.
Mais tarde, também foi inaugurado um memorial no estabelecimento, onde há uma igreja tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae). O templo foi projetado pelo arquiteto e engenheiro alemão Theo Wiederspahn, o mesmo da Casa de Cultura Mário Quintana, do prédio do Museu de Arte do RS (Margs) e de outros prédios emblemáticos da Capital.
Acesso gratuito
A versão digital do livro pode ser lida e baixada gratuitamente no site da editora, clicando aqui.
O futuro
Procurada pela coluna, a Secretaria Estadual da Saúde confirmou que os últimos pacientes foram transferidos para residenciais terapêuticos. Ainda segundo o órgão, "o local encontra-se fechado e não será mais utilizado como equipamento de saúde". Até o momento, não há definição sobre o destino do antigo Hospital Colônia Itapuã.