Quando Iracema Antunes completou 80 anos de carreira na ativa, em 2022, escrevi sobre o feito. Agora, volto ao tema para prestar uma homenagem: a cabeleireira que fez a cabeça de primeiras-damas, misses, debutantes, celebridades e até da mãe de um presidente da República, está “pendurando as tesouras”.
Com 96 anos de vida e 82 de profissão, Iracema atendeu a última cliente neste final de semana, com o coração apertado.
— Não sei como vou me sentir sem o trabalho. Comecei aos 13 anos, em casa, e nunca parei — diz a profissional, cuja trajetória será celebrada nesta terça-feira (20) em um coquetel para convidados.
Ainda menina, em 1942, ela passou a ajudar a irmã, Antenisca Maria Salvi, a Nica, no Instituto de Beleza Salvi. Aprendeu olhando.
Casou-se em 1947 com o empresário Nelson Antunes e, durante cerca de um ano, dedicou-se ao lar. À época, recorda ela, "achavam feio mulher trabalhar”, mas a pausa durou pouco: em 1951, com o apoio do marido e a parceria de Nica (de quem se tornou sócia), nasceria o Salão Joana D’Arc, que fez história na Capital.
A habilidade das irmãs correu de boca em boca. A fama cresceu ainda mais quando Iracema passou a viajar ao centro do país para participar de congressos atrás das últimas tendências em penteados, cortes e tinturas. Ela foi até ao Japão (sem saber uma palavra em inglês!) em 1981. As incursões renderam aprendizado e novas técnicas, algumas ainda desconhecidas por aqui.
Não deu outra: o salão se tornou um sucesso.
À cadeira de Iracema, sentaram-se, entre outras clientes ilustres, quatro esposas de governadores do Rio Grande do Sul (leia mais detalhes abaixo). Em um único final de semana, o estabelecimento chegou a atender 32 debutantes do Country Club, enviadas pela requisitada modista Mary Steigleder, autoridade no mercado da moda em Porto Alegre, requisitada por famílias abastadas.
— Faço o vestido, mas o penteado tem de ser com a Iracema — repetia Mary, a quem a procurasse.
A pedido da freguesia, o Joana D’Arc manteve filial em Torres, no Litoral Norte, por 30 anos, durante os veraneios. A praia gaúcha era uma das preferidas da alta sociedade porto-alegrense.
A partir de agora, Iracema planeja dedicar mais tempo à família — são nove netos e oito bisnetos. Parte deles vive fora do RS.
— Vou viajar bastante — diz a cabeleireira, com sentimento de dever cumprido.
Madrinha ilustre
A foto acima, de 1969, é uma das relíquias guardadas com carinho por Iracema, entre dezenas de outras fotos e recortes de jornais.
Na imagem, a então primeira-dama do Estado, Stella Aloise Barcellos (que era casada com Walter Peracchi Barcellos, governador do RS entre 1966 e 1971), descerra a logomarca do Salão Joana D’Arc. O estabelecimento acabava de se mudar para o bairro Moinhos de Vento, na esquina das ruas Mariante e Dona Laura, na Capital.
Além de Stella, foram clientes assíduas do instituto de beleza outras três mulheres de chefes de Estado do Rio Grande do Sul: Neusa Goulart (esposa de Leonel Brizola), Judite Meneghetti (companheira de Ildo Meneghetti) e Neda Triches (esposa de Euclides Triches).
Vicentina Goulart, a dona Tinoca, mãe do ex-presidente João Goulart, o Jango, também foi habitué, assim como Sandra Hervé, miss RS nos anos de 1950.