Solange Rodrigues não quer aparecer. “Mostra só a minha obra”, pede a moradora do 4º Distrito da Capital, na mensagem enviada pelo telefone celular em plena madrugada. A artista “que ninguém conhece”, como ela própria diz, tem um tesouro em casa.
Não são joias valiosas nem móveis refinados. São as paredes. Ou melhor, as camadas de tinta sobrepostas a tijolos e argamassa.
De alto a baixo, em surtos criativos multicoloridos, Solange pintou murais na garagem, na sala, nos quartos, no corredor. Os desenhos ficaram submersos na enchente de 2024. Ela perdeu quase tudo. Quase. Os painéis “que ninguém vê”, sabe-se lá como, resistiram sem máculas.
O maior e mais surpreendente deles, com 12 metros de largura cinco de altura, conta a lenda do Negrinho do Pastoreio. Solange retoca a imagem há 21 anos e, inspirada nela, criou uma série de nove quatros em madeira.
Houve um tempo em que o traço poderoso da autodidata gozou de alguma fama. No início dos anos 2000, o painel dedicado ao menino negro virou ponto de peregrinação e altar de graças alcançadas. Para quem crê, Negrinho é de fé: não nega ajuda aos injustiçados do mundo.
Solange não deixa de ser um deles. Aos 72 anos, ela precisa emergir da lama e recomeçar a vida. Pensa em vender a casa, que ela e os irmãos herdaram dos pais. Mas como levar as paredes junto?
Solange diz que é “ninguém”. Nunca fez cursos e está longe das galerias e dos museus, mas tem, sim, quem olhe por ela. A colunista Rosane de Oliveira, a quem chamo de amiga (e que batizou a coluna 360 Graus, meu novo espaço na Zero Hora impressa), tenta apoiá-la como pode. Foi assim que encontrei Solange. Ela sonha, um dia, poder mostrar sua arte ao mundo e viver dela.
Quem sabe o Negrinho (ou alguma boa alma aí do outro lado) não ajuda?
Como apoiar
Solange não quer caridade. Quer vender sua arte e sonha com uma exposição. Se você acha que pode ajudar, manda um Whats para ela: (51) 9 8133-5861.