Foi preciso uma catástrofe para que as velhas cartas de papel — e não o WhatsApp — voltassem a ganhar visibilidade. Desde que a calamidade se instalou no Rio Grande do Sul, quase todos os dias há notícias de correspondências chegando, a maioria assinadas por crianças de diferentes cantos do Brasil ou por adultos à frente de doações.
Nesta semana, alunos da Escola Municipal João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes (a Emef Laçador), em Porto Alegre, foram surpreendidos por dezenas delas, produzidas por colegas do Colégio Professor Amílcar Martins, da rede pública de Belo Horizonte (MG). Os mineiros também mandaram um mural com dedicatórias aos gaúchos.
Enviado pelos Correios, o material traduz em palavras — e desenhos — a comoção diante do drama vivido no RS e denota compaixão. “Fizemos uma grande mobilização em nossa comunidade para arrecadar doações para a sua região. Mas queríamos mais, queríamos sensibilizar nossos estudantes para o quão importantes seriam o afeto, as vibrações positivas, a empatia nesse momento tão difícil. Queríamos abraçar todos vocês”, diz o texto assinado pela turma de BH.
— Temos recebido apoio de todos os lados e, tão importante como as mensagens de entidades, colégios privados e pessoas físicas que se apresentam para ajudar na reconstrução das nossas escolas, é o apoio emocional, os atos de afeto que se multiplicam — diz o secretário de Educação, Maurício Cunha.
É curioso como, nesses casos, os aplicativos de mensagens (que seriam as opções mais fáceis, ágeis e racionais) parecem não comportar a carga emocional das cartas, tão fora de moda. São insuficientes, ainda que eficientes.
A escolha pelo lápis e o papel significa mais do que uma mera troca virtual instantânea e às vezes superficial, que em alguns segundos se perde no mar de informações que carregamos no celular. Há algo de solene e “eterno” nas mensagens analógicas, não raro guardadas com carinho e cuidado por quem recebe.
Quando se escreve uma delas, há uma atenção especial voltada para a letra, a escolha da folha, as cores e, claro, o texto. Você precisa parar e pensar antes de emendar as palavras, porque não há a tecla "delete".
É o oposto do que se vê em tempos de volatilidade digital, marcados pela instantaneidade e pela fragilidade das relações. Enviar uma carta, em especial para quem precisa de força em um momento difícil, é como dar um abraço forte e apertado, exatamente como descreveram os mineiros, a quase dois mil quilômetros de distância.