Há quem tire férias para conhecer a região de Champagne, na França, ou os parreirais a perder de vista de Mendoza, na Argentina. Também já fui longe para visitar lugares onde a uva é protagonista, mas não abro mão de uma tradição: todos os anos, reservo alguns dias para rever e prestigiar o nosso Vale dos Vinhedos.
Talvez você se lembre: em fevereiro de 2023, escrevi aqui por que não viraria as costas para a região. Na ocasião, o local vivia uma crise de reputação sem precedentes, com o resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Não foi fácil. A boa notícia é que o vale enfrentou o problema de frente, como deve ser, e saiu da crise mais forte.
Sempre houve motivos para voltar. Dessa vez, havia mais ainda.
Convidei minha mãe para o passeio. Saímos só nós duas (deixamos meu pai e meu marido em casa) e partimos num dia de calor extremo. Tanto melhor: o mormaço era uma boa desculpa para provar todas as espumantes possíveis e imagináveis (o novo “ouro” da serra gaúcha).
Nos hospedamos no SPA do Vinho, outro investimento que vale cada centavo (isso não é publicidade: foi mesmo meu presente de Natal para a mãe). Dali, circulamos pela região, farta em opções turísticas.
Eu nunca tinha visitado a Casa Valduga, uma das mais tradicionais vinícolas do Rio Grande do Sul. Compramos, então, uma visita guiada com degustação de cinco rótulos (você não leu errado: cinco!) e, por duas horas, conhecemos as etapas da produção e a história da família, um capítulo à parte.
Aí veio o gran finale, como se já não bastassem os cinco rótulos (cinco!!!). Em uma parede, estava escrito: “silêncio, vinho dormindo”, como assim? Conduzidas por um enólogo, entramos, então, em uma espécie de templo, onde 500 barricas do melhor de Baco (os vinhos top de linha) dormitavam no lusco-fusco ao som de canto gregoriano. Foi surpreendente.
Nessas viagens, costumo circular anônima de propósito, como qualquer visitante. Dessa vez, na volta, fiz questão de mandar uma mensagem de “whats” para Juarez Valduga, presidente da empresa (ou “funcionário mais antigo”, como ele prefere dizer). Queria saber mais sobre o templo do vinho.
Juarez, que por pouco não virou padre (chegou a estudar oito anos para isso), me confirmou o que eu já desconfiava:
- Eu não podia construir uma igreja, então, fiz esse lugar para que as pessoas pudessem pensar em si mesmas, nos próximos e no seu Deus, não importa a religião.
O vinho, nesse caso, seria “só” uma desculpa, ainda que alguns especialistas garantam que as ondas sonoras emitidas pelo canto gregoriano exercem influência sobre a qualidade do líquido (como no caso das vacas que ouvem música clássica para produzir leite melhor).
Construído na pandemia, em meio a incertezas mil, o espaço quase ficou no papel e por pouco não abriu. Hoje, é um lugar simbólico. Belo e único como o Vale dos Vinhedos.