Se, algum dia, você assistiu a uma ópera, é bem provável que tenha sido em outro idioma - em geral, italiano, alemão ou francês. Pois, no último sábado (2), na Capital, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) e um grupo de talentosos cantores-atores, apresentou um espetáculo do gênero em língua portuguesa, ou melhor, em “bom gauchês”.
Com direito a “bah”, “capaz” e outros termos que conhecemos bem, os artistas encenaram a opereta Os Bacharéis, escrita no fim do século 19 pelos gaúchos José Gomes Mendes e Simões Lopes Neto - aquele mesmo, de Contos Gauchescos (1912) e Lendas do Sul (1913).
Delicioso e surpreendentemente atual, o texto é uma comédia de costumes criada em Pelotas, há cerca de 130 anos, para tirar sarro dos filhos da elite local que iam estudar fora (na Europa), voltavam “doutores” e se achavam a “última bolachinha do pacote” - não, Simões e José Gomes não escreveram exatamente isso, mas, bem, foi o que quiseram dizer.
Com direção musical de Evandro Matté e direção cênica de Marcelo Ádams, tenores, barítonos e sopranos (no total de 12 cantores líricos, alguns do Coro da Ospa e outros da Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul) arrancaram aplausos e gargalhadas do público.
Quem disse que ópera é sempre um drama? "Qual, o quê, estás enganado, vivente!", diria um dos personagens de Os Bacharéis.
É curioso como um espetáculo apresentado pela primeira vez em 1894, no Theatro Sete de Abril, em Pelotas, ainda pode cair nas graças dos espectadores. E é mais legal ainda saber que uma ópera pode até mesmo começar com uma marchinha de carnaval - nesse caso, foi com a famosa Ó abre alas. Não deu outra: a pequena subversão ganhou a plateia no primeiro minuto. É assim que se faz.
O segredo
Estudioso do teatro, professor, encenador e ator experiente, Marcelo Àdams explica que a opereta surgiu como um desdobramento da ópera. Foi uma invenção francesa oitocentista, que tornou o gênero mais leve, com textos cômicos, misturando canto e diálogos falados.
No Brasil, como sempre, a criação foi logo adaptada e acabou se tornando a semente do teatro musicado brasileiro. Por aqui, a nova modalidade incorporou ritmos locais aos europeus e alguma "picância", por assim dizer. Os Bacharéis é exatamente isso, com notas ferinas de ironia e crítica social. Esse, talvez, seja um dos segredos do sucesso.
Elenco afinado
Com trajes de época, criados por Daniel Lion, os artistas escalados para dar vida ao texto merecem destaque, porque deram um show à parte no cenário concebido por Yara Balboni.
Em muitos espetáculos do tipo, cantores líricos se limitam a cantar. No caso de Os Bacharéis, dirigidos por Marcelo Ádams, com assistência de Margarida Peixoto, atriz experiente da cena cultural gaúcha, os especialistas da voz mostraram que também sabem atuar. E fazer comédia não é fácil.
Flávio Leite, Sérgio Sisto e Henrique Cambraia (este, uma revelação do teatro do RS nos últimos anos) mandaram bem demais como os irmãos protagonistas do show. Felipe Bertol foi impagável na pele de "Pombinho", Ricardo Barpp criou um padre divertidíssimo e Elisa Machado, Guilherme Roman, Roger Nunez, Cristine Guse, Carolina Braga, Oséas Duarte e Izabella Domingos foram impecáveis.
De volta a Pelotas
Depois da estreia em Porto Alegre, Os Bacharéis será apresentado em Pelotas, onde nasceu. A encenação está marcada para a próxima sexta-feira (8), às 20h30min, no Auditório do Sicredi.