Maria Bethânia sabe das coisas. “Envelhecer é privilégio”, sim. A frase é dela, a baiana da voz de trovão que na última semana completou 77 anos e que estará outra vez nos palcos de Porto Alegre no mês de agosto. Em um desses vídeos que viralizam nas redes, a filha de Dona Canô diz mais:
— Gosto dos meus cabelos brancos, das minhas rugas. Gosto. São minhas. O tempo me deu.
Bethânia fala isso com aquela calma só dela, sorrindo, ciente do efeito que a declaração causará em um mundo no qual todos querem ser jovens e belos - tão obsessivamente jovens e belos, que acabam ficando irreconhecíveis. Não é por acaso que estamos testemunhando o que parece ser uma epidemia de deformação facial.
Posso estar exagerando, mas o que vejo é um surto coletivo ditado por selfies e filtros digitais, movido a ácido hialurônico e botox em excesso. São procedimentos estéticos que, em situações extremas, nada têm de “harmonizadores”.
No caso das mulheres, o pacote inclui ainda cílios estendidos, unhas de fibra de vidro tipo Zé do Caixão, boca grande & sexy, peitos e bunda siliconados. Há um desejo de mudar para, no fim das contas, ficar igual a todo mundo que segue a mesma receita. Só que, às vezes, a mudança é para pior. Vá entender.
A inteligência artificial, claro, já captou a tendência. Se você pedir a um desses aplicativos para que crie a imagem da mulher ideal, verá o que Vanessa Rozan, expert no tema, definiu como “uma mistura de 50% da boneca Barbie, 35% de super-heroína, 10% de princesa da Disney e 5% de uma atriz pornô sueca”. Cruzes.
O problema é que muita gente está buscando uma perfeição que não existe. Ou melhor, que só existe nas redes sociais, com ferramentas que apagam linhas de expressão, engrossam lábios, reformulam sobrancelhas e elevam maçãs do rosto. Tem gente chegando aos consultórios com foto editada a partir desses filtros, dizendo: “Quero ser assim, não importa como. Faça.”
Em 2018, pesquisadores da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, já alertavam para o que, na época, foi chamado de “dismorfia do Snapchat”. A rede social citada saiu de moda, mas o termo, não. Foi substituído por “dismorfia do Instagram”. O fenômeno afeta a autoestima e tem causado preocupação entre especialistas, porque pode desencadear transtornos psíquicos.
Talvez seja hora de parar e refletir. Não se trata de rejeitar toda e qualquer forma de cuidado estético, mas de compreender que pequenas imperfeições e marcas do tempo - se não forem limitadoras ou prejudiciais à saúde - nos fazem seres únicos. Em tempos de pasteurização em massa e de robôs tomando o lugar de humanos, nada pode ser mais belo do que a autenticidade, do que ser quem se é. Bethânia sabe das coisas.