Pela primeira vez desde a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, um governo se encerrou com as contas no azul no Rio Grande do Sul. De acordo com dados consolidados publicados no Diário Oficial do Estado nesta segunda-feira (30), a gestão que começou com Eduardo Leite e terminou com Ranolfo Vieira Júnior no comando do Palácio Piratini fechou 2022 - último ano do mandato - com superávit orçamentário de R$ 3,34 bilhões.
Isso significa que as receitas (aquilo que se arrecadou) foram maiores do que as despesas. O valor inclusive superou as projeções feitas em dezembro (quando se falava em R$ 2,6 bilhões) e é o maior registrado para o período desde 2002 (veja abaixo). A comparação é possível, porque os relatórios oficiais anuais estão disponíveis no site da Secretaria Estadual da Fazenda.
Mas como se chegou a esse resultado e até que ponto ele é consistente?
O desfecho é fruto de uma série de circunstâncias que vão além do reconhecido esforço fiscal realizado pelos ex-secretários Marco Aurelio Cardoso e, mais recentemente, Leonardo Busatto, que passou o bastão para a nova titular da pasta, Pricilla Santana.
Primeiro, vale lembrar que 2022 foi marcado pelas vendas da Sulgás (R$ 955 milhões) e da CEEE-G (R$ 928 milhões). Só aí, foram quase R$ 2 bilhões em recursos extraordinários. Ou seja: eles não irão se repetir.
No somatório final, também ajudou - e muito - a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal, por uma questão contábil. Desde a aprovação do acordo, no início de 2022, foi alterada a forma como as parcelas da dívida são registradas nos relatórios. Agora, apenas os valores efetivamente pagos aparecem nas despesas. Antes, tudo - mesmo o que ficava pendente - entrava na soma, inflando os gastos.
Todos esses fatores, além dos efeitos da inflação alta sobre a arrecadação, contribuíram para o resultado final e precisam ser levados em conta na comparação com outras gestões - ainda que governos passados também tenham adotado medidas extraordinárias (como o uso dos depósitos judiciais e os saques do caixa único) e não tenham conseguido atingir um superávit tão expressivo. As reformas aprovadas no início do governo Leite surtiram efeito e ajudam a explicar a diferença.
Desafios em 2023
Isso não significa que tudo vai bem. Ainda há sérios problemas estruturais que irão perdurar por anos, como o passivo bilionário dos precatórios e a dívida com a União, e desafios mais imediatos à frente. O Palácio Piratini segue pagando salários e fornecedores em dia e mantém essa perspectiva no horizonte, mas 2023 chega com muitas dúvidas.
A principal delas, no momento, tem relação com a redução nas alíquotas de ICMS sobre combustíveis e telecomunicações, que, a partir de agora, será sentida em todo o seu impacto, desde o início do exercício financeiro, e pode se traduzir em perda de R$ 5 bilhões brutos na arrecadação. Ainda não há perspectivas claras de compensação por parte da União.
Há, também, o reajuste de 14,94% do piso nacional do magistério, definido em 16 de janeiro pelo governo federal. Isso exigirá uma resposta rápida da nova gestão, até porque o governador Eduardo Leite elegeu a educação como prioridade.