A mineira Paula Santoro é uma de nossas maiores cantoras, como antecipava seu primeiro disco, de 1995. Mas com este sétimo, Sumaúma, ela se supera. Partindo de um espírito afro-brasileiro, chega a uma síntese musical refinada e envolvente. Mescla canções inéditas com algumas gravadas antes, mas não óbvias, cercada de músicos e convidados fora de série.
A sumaúma é mitológica árvore amazônica de grande altura e imensas raízes. A primeira faixa, Yê Melê (Chico Feitosa/Luís Carlos Vinhas) vem dos anos 1960, já teve as vozes de Elis e Bethânia, mas, como se nova fosse, nos puxa para dentro do disco, ao encontro de outras novas/antigas de João Donato, Beto Guedes, Milton Nascimento, Gonzaguinha, com inéditas de João Bosco, Alexandre Andrés e da própria Paula. Ao lado dela, Rafael Vernet (pianista, arranjador, produtor), João Bosco, Toninho Horta, Raul de Souza, Armando Marçal, Guto Wirtti, Ivan "Mamão" Conti e mais. É lindo mesmo, não canso de ouvir. (LIC de MG, CD R$ 30 – contato@paulasantoro.com.br, e plataformas)
Orestes: agora com Raul Boeira
Quem acompanha esta coluna conhece Orestes Dornelles, cantor e compositor gaúcho de MPB que integrou o grupo Tribufu e lançou o primeiro disco solo em 2008. Conhece também Raul Boeira, letrista talentoso que andou por aqui. Suas competências agora se juntam no álbum Desnorteia.
São 13 letras, em maioria bem-humoradas, sobre temas como políticos corruptos, o comércio da música, a música ruim, o feminismo, a pressa. Um material prontinho para Orestes revestir de gêneros/ritmos como pop-rock, samba, chote, marcha-rancho, baião, valsa e tal.
Os arranjos têm o trio básico com ele no violão, Felipe Narcizo no baixo e Bruno Coelho na percussão, mais aqui e ali Angelo Primon (viola, guitarra), Matheus Kleber (piano, acordeom), Tomas Piccinini (piano), Priscila Barreto (vocais). A parceria é boa, Orestes sabe tudo de composição e MPB, canta bem, mas aqui fica devendo um pouco na interpretação, meio leve, quando as letras pedem mais brilho e pressão. (Nas plataformas digitais. Letras e fichas em orestesd.blogspot.com)
Trocado: quarteto faz história
Músico desde os 15 anos, professor, referência de saxofonista e flautista no Rio de Janeiro (onde se formou pela UFRJ), Fernando Trocado já tocou e gravou com muita gente, do popular ao erudito, de Roberta Sá à Orquestra do Theatro Municipal RJ. Mas apesar da longa atividade em palcos e estúdios, só este ano decidiu montar um grupo e gravar suas composições.
Labirinto, o primeiro disco, resulta de decisão tomada durante o isolamento da pandemia. Ao lado de Mac William Caetano (bateria), Natan Gomes (teclados) e Tony Botelho (baixo), todos bem tarimbados, Trocado brinda o ouvinte com primorosa música atemporal.
No universo bossa-samba-balada-jazz, com alguns afluentes, é música para ouvir com atenção, como deleite, e/ou para, digamos, perfumar o ambiente. Também inspirado melodista, seus arranjos não saem dos clássicos tema-solo-improviso. E por que observo o contexto "normal" dessa música? Porque hoje todos querem "mais". O Quarteto Fernando Trocado não mostra performances, mostra música. (CD R$ 30 em @fernando_trocado, e plataformas digitais)
Leandro: ao lado dos grandes
Ele acaba de voltar da Costa Rica, mais um destino em sua já robusta trajetória pessoal e profissional. Mas não ocuparei espaço com o que se pode saber em leandromaia.com.br, pois quero é falar de Guaipeca, o quarto disco.
Fui ouvindo e me surpreendendo, pela qualidade e a novidade de tudo. Anotei, para resumir: a melhor "coisa" que ouvi sobre os dias que correm, vistos ao mesmo tempo por dentro e de fora. Letras tão bem construídas quanto cheias de significado, melodias, arranjos e interpretações à altura, um violão impecável – duas cantadas em inglês fluente. Tem pop, blues, baião, chote, funk, milonga, toada caipira, sátira, ironia, humor, amor, filosofia, política... Trecho da faixa-título: "O guaipeca não é de se entregar/ Nem vai deixar cair a peteca/ O guaipeca sabe a hora de atacar/ O guaipeca me representa". Estão com ele Jerônimo Jardim, Ronald Augusto, Pablo Lanzoni, Luciano Mello, Felipe Karam, Negrinho Martins, Maria Falkembach e mais. Seguinte: Leandro Maia já é um dos grandes da música brasileira, ao nível dos melhores. (LP R$ 150, contato na página acima, onde também pode ser pedido acesso às músicas. Não está nas plataformas digitais)