Quem viveu aquela época e prestou atenção no que estava acontecendo, por certo lembrará grande parte dos 93 discos comentados no livro 1979 – O Ano que Ressignificou a MPB, organizado pelo jornalista carioca Célio Albuquerque. Ele já havia lançado, em 2014, o igualmente volumoso 1973 – O Ano que Reinventou a MPB, com “A história por trás dos discos que transformaram a nossa cultura”. Escrevi sobre aquele livro aqui na coluna. Se em 1973 o país vivia sob a pressão violenta do AI-5 e do ditador Médici, com a música refletindo isso, em 1979, seu último ano de governo, o ditador Geisel assinara a Lei da Anistia, e é óbvio que os novos ares apareciam na música.
São daquele ano, por exemplo, algumas canções que se referiam à anistia, como Tô Voltando (Maurício Tapajós/Paulo César Pinheiro), Começar de Novo (Ivan Lins/Vitor Martins), O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco/Aldir Blanc). Em 1979, a gravadora recolocou nas lojas um LP de Geraldo Vandré, lançado em 1966, mas com dois acréscimos, Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Caminhando) na versão ao vivo, gravada no Maracanãzinho em 1968 (abrindo o lado A), e uma versão em estúdio (fechando o lado B). Essa música, que pode ser considerada o maior libelo contra a ditadura, ao lado de Apesar de Você (Chico Buarque), passara 10 anos proibida pela censura.
Então, o livro reúne resenhas de 93 LPs escritas por 94 autores, entre músicos, jornalistas, produtores musicais, pesquisadores, historiadores. Além do aspecto político, evidenciado também com as trilhas sonoras de musicais como Ópera do Malandro (de Chico Buarque) e Bons Tempos, Hein? (do MPB-4, com textos de Millôr Fernandes), 1979 foi marcado pelo surgimento de um raro elenco de mulheres: Angela Ro Ro, Marina Lima, Elba Ramalho, Marlui Miranda, Fátima Guedes, Joanna, Baby Consuelo em carreira solo... Saíram também muitos discos independentes.
Em seu texto de abertura, Albuquerque refere dois festivais realizados em 1979, o da TV Cultura e o da TV Tupi. O da Cultura foi resumido em um LP (destacando Arrigo Barnabé e Premeditando o Breque, ambos da Vanguarda Paulistana). O da Tupi não teve disco – se tivesse, registraria a primeira apresentação de Kleiton & Kledir. Alguns nomes que assinam as resenhas: Joyce Moreno, Moacyr Luz, Rildo Hora, José Emílio Rondeau, Jotabê Medeiros, Mauro Ferreira, Hugo Suckman, Roberto Muggiati, José Teles, Sílvio Essinger, Rodrigo Faour, Lorena Calábria e Chris Fuscaldo (responsável também pelo financiamento coletivo e pela direção editorial do livro).
Entre os 94 resenhistas, dois são gaúchos resgistrando discos de estreia: Emílio Pacheco (autor da recém-lançada biografia de Kleiton & Kledir) abre o livro com o grupo 14 Bis, e este colunista escreve sobre Jerônimo Jardim. Se não fosse apenas um compacto, gostaria de ter escrito também sobre o primeiro disco de Nelson Coelho de Castro, com Faz a Cabeça, que tem a cara da época.
Última observação: a maioria dos LPs foi lançada pelas grandes gravadoras que, naquele ano, venderam mais de 52 milhões de cópias.
Depois viriam o rock dos anos 80, a pirataria, o CD...
Alguns álbuns de 1979
- A Cor do Som – Frutificar
- Amelinha – Frevo Mulher
- Belchior – Era Uma Vez um Homem e seu Tempo
- Beth Carvalho – No Pagode
- Beto Guedes – Sol da Primavera
- Caetano Veloso – Cinema Transcendental
- Cartola – 70 Anos
- Clara Nunes – Esperança
- Clementina de Jesus – Clementina
- Elis – Essa Mulher
- Elomar – Na Quadrada das Águas Perdidas
- Gal Costa – Gal Tropical
- Gilberto Gil – Realce
- Gonzaguinha – Gonzaguimha da Vida
- Hermeto Pascoal – Zabumbê-bum-á
- Ivan Lins – A Noite
- João Bosco – Linha de Passe
- João Nogueira – Clube do Samba
- Jorge Ben – Salve Simpatia
- Lô Borges – Via Lactea
- Luiz Gonzaga – Eu e Meu Pai
- Maria Alcina – Plenitude
- Maria Bethânia – Mel
- Milton Nascimento – Journey to Down
- Miúcha & Tom Jobim – Tom e Miúcha
- Moraes Moreira – Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira
- Ney Matogrosso – Seu Tipo
- Paulinho da Viola – Zumbido
- Raul Seixas – Por Quem os Sinos Dobram
- Rita Lee – Rita Lee
- Simone – Pedaços
- Tim Maia – Reencontro
- Zé Ramalho – A Peleja do Diabo com o Dono do Céu
- Zezé Motta – Negritude