“Minha vida sexual começou nos meados de 1947 e eu tinha nove anos. Completamente ingênuo (...), sentia curiosidade e imenso prazer em ver ou pegar o pênis de outro garoto.” Assim começa o Capítulo 1 do livro Diário de um Invertido – Escritos Líricos, Aflitos e Despudorados – Salvador 1956-1963, de Edy Star. Ele foi o primeiro artista brasileiro a se declarar publicamente homossexual, em 1970. Nascido em 1938 em Juazeiro, já era figura conhecida em Salvador, onde conviveu nos anos 1960 com Glauber Rocha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas. A inscrição de seu nome na história da música brasileira se dá em 1971, já vivendo no Rio, com o disco (que virou cult) Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, ao lado de Raul, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada.
Organizado pelo historiador paulista Ricardo Santhiago, que descobriu por acaso, nos guardados de Edy, os cadernos em que o adolescente Edivaldo Souza registrava seus segredos sem qualquer autocensura, o livro é um documento extraordinário. Como escreve Santhiago, o manuscrito narra, “de maneira crua, a relação de Edy com a própria homossexualidade e as injunções sociais de sua prática”.
No texto de apresentação, Luiz Mott, professor da UFBA e fundador do Grupo Gay da Bahia, antecipa: “Diário de um Invertido revela episódios dramáticos e doloridos da homofobia estrutural presente no dia a dia dos gays e travestis da Bahia nos meados do século 20, com muito bullying, humilhações e espancamentos”. Não se pode esquecer, ainda, que o Brasil vivia sob a ditadura.
Santhiago agrega à narrativa autobiográfica o que chama de “Contos aflitos (ou não)”, textos da mesma época. Depois, “Homossexualismo e anedotário popular”, piadas e historietas reprocessadas por Edy. E, por fim, poemas com temática homoerótica, recuperados do acervo do artista. Entre as páginas, fotografias dele nos anos 1950. Resumo sobre Edy Star: depois daquele disco de 1971, se tornaria atração de boates e cabarés cariocas, virando um popstar. No primeiro LP solo, Sweet Edy, de 1974, colocou glam rock em músicas feitas para ele por Roberto/Erasmo, Caetano, Gil, Mautner. Logo destacou-se também como artista plástico. Atuou durante 20 anos na Espanha, sem gravar. Sua vida está contada no filme Meu Nome é Edy Star (2019). Aos 84 anos, é um ícone LGBTQIA+.
Patrícia Ahmaral canta Torquato Neto
Em novembro, passaram-se 50 anos da morte de Torquato Neto – que desistiu da vida aos 28. Como letrista, foi um dos mentores do Tropicalismo nas parcerias com Gil e Caetano, principalmente. Em sua homenagem, a ótima cantora mineira Patrícia Ahmaral lança o álbum Um Poeta Desfolha a Bandeira. Produzido por Zeca Baleiro, com arranjos inventivos e músicos competentes, atualiza a linguagem tropicalista sem perder aquela chama pop universal/nordeste/MPB. Patrícia visita com beleza e força clássicos como Marginália II, Ai de Mim Copacabana, Três da Madrugada, Louvação, Geleia Geral, Mamãe Coragem, Let’s Play That (de e com Macalé em voz e violão). Outras participações: Moda de Rock, Banda de Pau e Corda, Maurício Pereira, Chico César (na inédita Quero Viver). (Nas plataformas digitais)
Carlinhos Vergueiro cercado de estrelas
O paulista Carlinhos Vergueiro sempre andou pela beira do mainstream da MPB, sem de fato integrá-lo. Mas o pessoal do mainstream sempre soube valorizá-lo. Uma das provas é este disco, Carlinhos Vergueiro e Convidados, que volta às lojas em CD e chega enfim, sem trocadilho, ao streaming. Lançado em 1988 para celebrar 15 anos de carreira, reúne músicas desse tempo e participantes muito especiais, além de instrumentistas do primeiro time (um deles, seu irmão e pianista Guilherme Vergueiro). Como um Ladrão, vencedora do festival Abertura em 1975, tem Paulinho da Viola. Entre sambas e canções de fina extração, desfilam parceiros e/ou convidados como Chico, Caetano, Djavan, Martinho, Adoniran, Ney Matogrosso, Toquinho, Luiz Melodia, João Nogueira e Marçal. (Biscoito Fino, CD R$ 47, e nas plataformas)