No belo disco instrumental Pro Tião, dois grandes músicos, o pianista Gilson Peranzzetta e o violonista Marcel Powell homenageiam um gigante do violão brasileiro, Sebastião Tapajós, falecido em outubro de 2021. Com arranjos do primeiro, criam uma atmosfera cheia de dinâmica, às vezes um fazendo base para o outro voar, às vezes entrelaçados de tal forma que parecem ter tocado juntos a vida toda. E há coincidências. Peranzzetta, 76 anos, começou a tocar aos nove, mesma idade com que Marcel, 40, ensaiou os primeiros acordes com o pai, Baden. Marcel considera Tapajós seu padrinho musical, Peranzzetta fez duo com ele de 1986 até o fim. O repertório do disco reúne clássicos como Canto de Ossanha, Tem Dó (ambas de Baden/Vinicius), Pedacinhos do Céu (Waldir Azevedo), Só Danço Samba (Tom/Vinicius), Tocata para Billy Blanco (Tapajós) e, entre outras, a inédita Pro Tião (Marcel/Peranzzetta). Uma estupenda viagem que passa por samba, jazz, choro e erudito.
(Kuarup, CD R$ 44,90, disponível também nas plataformas digitais)
Curiosas histórias do jazz
“Quando gravou sua obra-prima existencial, Billie Holiday tinha 42 anos e já era uma catedral em ruínas. A cirrose hepática demitira seu fígado e suas veias se negavam a receber novas picadas.” Trecho de um dos 60 textos reunidos pelo escritor e jornalista porto-alegrense Eduardo Rodrigues em seu sétimo livro, A Ilusão de um Instante – Inventário de uma Etnografia Amorosa e Musical. Apaixonado pelo jazz, mas não só, Rodrigues chega ao ápice de seu estilo de contar histórias curiosas muitas vezes perdidas nos escaninhos do tempo ou dispersas em publicações. São textos enxutos, que agarram o leitor e o fazem querer mais. Alguns personagens: Charles Mingus, Chet Baker, Miles Davis, John Coltrane, Stan Getz, Duke Ellington, Louis Armstrong, Andy Warhol, Diana Krall, Elza Soares, Maria Bethânia. E histórias sobre personagens à sombra de grandes artistas, encontros insólitos, capas de discos, enfim. Prefácio de Sérgio Karam
(Editora Melhorpubli, R$ 50, pelo e-mail eduardo46ro@gmail.com)
Canções contra o sufoco
Discretamente, sem vender milhões, Joyce Moreno sempre integrou a constelação dos grandes. Hoje, talvez mais do que antes, pode-se perceber isso. Seu 42º disco (!), Brasileiras Canções, é mais uma prova da exemplar constância de sua arte. Criadas durante a pandemia, as 12 canções falam de nosso tempo. “Os distanciamentos, as perdas de pessoas queridas, o mal espalhafatosamente assumindo o comando – tudo isso acabou desaguando para mim num momento onde a criação veio aliviar e salvar”, escreve, no encarte. Seu violão preciso apoia o canto cercado dos bambas Hélio Alves (piano), Jorge Helder (baixo) e Tutty Moreno (bateria). Com a convidada Mônica Salmaso, Tantas Vidas, parceria com o poeta português Tiago Torres da Silva, é a mais, digamos, feminista do álbum, que tem no geral um clima melancólico, mas não triste. Carnaval É Mesmo Assim, por exemplo, saúda uma esperança, e A Morte É uma Invenção (com Moacyr Luz), outra. O sambossa predomina, com temperos jazzy.
(Biscoito Fino, CD R$ 42. Disponível também nas plataformas digitais)
Tudo sobre Noel Guarany
Desde Itaqui, onde vive, o poeta, escritor e letrista de música João Sampaio há muitos anos se encarrega de, incansavelmente, divulgar a importância da obra do cantador Noel Guarany (1941-1998, à direita de Sampaio na foto ao lado, de 1995). Sua mais recente produção é o livro A Música Missioneira Gaúcha: A Gênese, o Criador e a Criatura. São 434 páginas que coletam textos seus e de várias pessoas, alguns já publicados, outros feitos especialmente, além de letras de músicas gravadas por Noel e letras o homenageando. Entre outros, assinam os textos o compositor Vinicius Brum, o cineasta Sílvio Back, os jornalistas Carlos Alberto Kolecza, Geraldo Hasse, Gilmar Eitelwein e José Ramos Tinhorão. Há uma sinopse cronológica da vida de Noel, a relação de seus discos e músicas e até textos escritos por ele. Mas o cerne do volume é o texto de Sampaio Apontamentos para uma futura biografia de Noel Guarany, como se o próprio livro já não fosse essa biografia, a mais densa obra já realizada sobre a vida e a obra do homem que definiu o que se conhece por música missioneira gaúcha.
(Martins Livreiro Editora, R$ 50)