Mesmo para quem já ouviu Ana de Hollanda, seu quinto álbum é uma bela surpresa. Na área da música, começou como cantora, passando depois também à composição. Sua trajetória musical é bissexta, dedica-se a ela quase como hobby, como um chamamento do DNA familiar que se expressa de tempos em tempos — para quem não sabe, Ana é irmã de Chico Buarque, Miúcha e Cristina. Lançou o primeiro disco em 1980 e este demorou 12 anos para vir. Sempre se dedicou a múltiplas atividades artísticas. Foi ministra da Cultura no governo Dilma, em 2011/12.
Por que Vivemos (título do álbum) é uma surpresa? Para começar, por não ter ligação com gêneros ou estilos pré-determinados; passa ao largo de qualquer preocupação mercadológica. Você não vai achar parecido com nada que já tenha ouvido. Genericamente entraria no rótulo MPB, mas Ana tem personalidade própria, imprimindo em suas letras sutis manifestações da psicologia feminina e mais, da mulher madura — tem 73 anos, é avó. A resolução musical concentra-se basicamente no brilhante trabalho dos bambas Cristóvão Bastos (piano) e João Lyra (violão, viola).
Com eles, mais aqui e ali a presença certeira das percussões de Zé Leal, a voz suave e atemporal valoriza melodias de parceiros como Nivaldo Ornellas, Lula Barbosa, Nilson Chaves, Marcelo Menezes, Leandro Braga, Lucina, Simone Guimarães e o próprio Cristóvão. A primeira faixa, Verão que Ficou, é um bolero com temperos de cha-cha-cha. Tem toada, samba, modinha, valsa, canção de sabor folclórico, cantando relações amorosas, memórias, sonhos, melancolias e até uma homenagem ao neto de oito anos apaixonado por futebol. Que o próximo não demore tanto, Ana.
VIVEMOS, de Ana de Hollanda
- Gravadora Biscoito Fino, CD R$ 47, disponível nas plataformas digitais
Uma combinação poderosa
Conheci Arismar do Espírito Santo no Musicanto, em Santa Rosa, anos 1980. Tocava contrabaixo. Depois, anos 1990, o vi com Hermeto Pascoal, no festival de jazz de Pelotas, tocando baixo e percussão. E, assim, o grande músico paulista foi assumindo instrumento por instrumento. Neste fantástico álbum em que se mescla ao Picumã, um dos melhores grupos instrumentais de raiz gaúcha, toca também piano, guitarra, violão e bateria, além de fazer vocalizes! Tal usina de criatividade, somada a Texo Cabral (flauta), Paulinho Goulart (acordeom), Matheus Alves (violão, guitarra), Miguel Tejera (contrabaixos) e Bruno Coelho (percussão), tem como resultado um trabalho tão vigoroso quanto estimulante.
No encarte, textos de meus amigos Renato Borghetti e Paulo Moreira dobram-se em elogios. "É inexplicável", sublinha Borghetti. Sim, trata-se de uma criação instrumental inovadora, que alia técnica e tesão de tocar, um encontro raro. Já a faixa de abertura, Milonga Flachiana, homenagem de Arismar a Geraldo Flach, insere o ouvinte numa sucessão de melodias, ritmos e improvisos de tirar o fôlego, até a última, a quebrada, mutante, Tabacudo no Sete (de Leandro Rodrigues). Entre uma e outra (também assinadas por Matheus), tem ares de salsa, forró, chamamé, candombe e mais. Vinda Boa (título do álbum) foi gravado ao vivo (um take de cada música) no Estúdio Pedra Redonda, em POA.
VINDA BOA, de Picumã + Arismar
- Fundação Marcopolo (Lei Aldir Blanc), CD R$ 29,90 em minuanodiscos.com.br. Disponível nas plataformas digitais