Dante Ozzetti e Luiz Tatit mereciam um trabalho deste porte para comemorar 25 anos de parceria — e seu público também. Fora eles, o álbum Abre a Cortina mobilizou 18 músicos entre intérpretes e instrumentistas, fazendo um resumo do brilhantismo dos dois ao longo das décadas. Todas as canções foram compostas na pandemia e em vários momentos se referem às mudanças que ela operou no cotidiano, mas sem explicitá-la.
Já na primeira faixa, Ao Menor Sinal, abre-se espaço para dança, diversão, distensão, com a marca do sutil humor de Tatit — que construiu todas as letras depois das melodias de Ozzetti. Um verso: "Hora de sentir/ Se o que vem aí/ é o novo normal/ Ao menor sinal". Em seguida, nas vozes da mana Ná Ozzetti e de Lívia Nestrovski, vem a deliciosa marchinha que dá título ao álbum. Aí, uma canção de amor também com Ná, Declaração. O roteiro alterna momentos pra cima com outros mais calmos.
Entre as mais introspectivas estão Sobreviver, cantada por Renato Braz, e a filosófica Já Estava Aqui, com os autores. Pra sair pulando e cantando junto, tem o xote a três vozes Quem me Diz, a circense Duas Lívias, com a Lívia já citada e Lívia Mattos, e Só Que Não Só Que Sim, de novo com Tatit e Dante, uma saborosa salada temperada com rock, marcha, ska, baião, música dos Bálcãs. A faixa Vão também não tem um ritmo definido: "Toda lama escorre pelo chão/ Vira mancha, vira poluição/ Picha todos, cria um mundo cão/ Passa tudo na televisão/ Entra pelos poros da nação/ Todo ciclo acaba e esse não/ esse não..."
Resta dizer que tudo é revestido pelos belos e impactantes arranjos de Dante com ele no violão e, entre outros, Tiago Costa (piano), Fi Maróstica (baixo), Marta Ozzetti (flauta), Adriana Holtz (violoncelo), Fábio Tagliaferri (viola), Fábio Curi (fagote) e Zezinho Pitoco (clarinete). Abre a Cortina é uma injeção de ânimo. Viva a música brasileira!
ABRE A CORTINA, de Luiz Tatit e Dante Ozzetti.
- ProacSP, Circus, CD R$ 35 em lojacircus.com.br. Disponível nas plataformas digitais.
Uma aula de união luso-brasileira
Em 2017, artistas e produtores de lá e de cá montaram o espetáculo Estrada Branca, reunindo Mônica Salmaso, cantora de MPB mais marcante dos anos 2000, e o ídolo português José Pedro Gil, para interpretar canções de Vinicius de Moraes (1913-1980) e de José Afonso (1929-1987), compositor-símbolo de Portugal — é dele Grândola, Vila Morena, hino da Revolução dos Cravos. Sucesso, o show foi apresentado nas cidades do Porto e de Sintra. Em 2019, a gravação ao vivo saiu em disco lançado lá. E, agora, chega ao Brasil: além das letras das 17 músicas, as 28 páginas do encarte incluem textos e uma linha do tempo dos protagonistas.
Mônica e Gil (que cantores!) estão cercados por músicos de alto quilate, como os brasileiros Nelson Ayres (piano) e Teco Cardoso (flauta) e o lusitano Emanuel de Andrade (piano), mais quarteto de cordas. O trabalho tem uma densidade incomum em palcos da música popular — melhor defini-lo como música de câmara. Às vezes em solo, às vezes em duo, os cantores conseguem a façanha de mimetizar as obras de Afonso e Vinicius (e parceiros). Mas há momentos em que a densidade se transmuta em expressão aberta, vibrante como na "africana" e política Os Índios da Meia-Praia (Afonso), no chorinho Odeon (Vinicius/Nazareth) e em Pau de Arara (Vinicius/Carlos Lyra). O público vai à loucura. Histórico.
ESTRADA BRANCA, de Mônica Salmaso e José Pedro Gil
- Gravadora Biscoito Fino, CD R$ 52, disponível nas plataformas digitais.