Os 80 anos de Francis Hime iriam passar batidos em termos musicais. Mas numa noite ele sonhou com uma melodia, coisa rara de acontecer, e dias depois recebeu do parceiro português Tiago Torres da Silva um verso para musicar. A melodia do sonho, que gravara no celular, encaixava no verso! “O resultado nos deixou tão felizes”, conta Francis no encarte do álbum Hoje, “que resolvi pensar na possibilidade de gravar um disco de inéditas, comemorando os meus oitenta anos!”.
Seu último de inéditas saíra em 2014. Empolgado, pegou várias músicas compostas recentemente e as enviou para diferentes parceiros letristas. O resultado é brilhante.
Já a primeira faixa, Desdenhosa, um chorinho com linda letra vintage de Hermínio Bello de Carvalho, tem tudo para entrar na história do gênero. A seguir, com o novo parceiro Thiago Amud, Sofrência é um samba que igualmente parece ter sido composto muito tempo atrás. Depois, Laura, beguine feito com a cara-metade Olivia Hime, dedicada à netinha deles, é interpretada pelo compadre Chico Buarque, 22 anos depois da última vez em que gravaram juntos. Também com Olívia, a quarta faixa chama-se simplesmente Samba Dolente. E é isso, o disco inteiro tem um fascinante colorido meio antigo, ou atemporal, ou mesmo nostálgico.
Percebendo tal espírito, no encarte Francis anota ao lado dos títulos os ritmos de cada música, prática abolida há décadas pelas gravadoras. Com arranjos finíssimos, os 80 anos vão sendo comemorados de forma leve e lírica, com participações de Lenine, no blues O Tempo e a Vida (letra de Tiago Torres da Silva); de Adriana Calcanhotto no samba Flores pra Ficar; e Olívia no samba Jogo da Vida (da inédita Ópera do Futebol, de Francis e Silvana Gontijo).
Para completar, Mais Sagrado, canção em parceria com Ana Terra; a valsa Soneto de Ausência, com Paulo César Pinheiro; e o bem-humorado Samba Funk, com Geraldo Carneiro. Entre os impecáveis músicos, ao lado do piano de Francis estão Jessé Sadoc, Jorge Helder, Sammy Fuks, Hugo Pilger e Kiko Freitas.
HOJE, de Francis Hime
- Biscoito Fino, R$ 36
Vinte canções prestam tributo a Fernando Brant
Quando Fernando Brant morreu, aos 68 anos, em 2015, seu sobrinho e músico Robertinho Brant já começara a produzir um álbum-tributo, reunindo 20 canções selecionadas pelo próprio Fernando. A ideia era reunir para interpretá-las artistas que direta ou indiretamente tivessem ligações com a mitologia do Clube da Esquina. Passados quase cinco anos, esse álbum gravado ao longo do tempo finalmente pode ser ouvido.
Eu nem precisaria dizer que Fernando Brant – Vendedor de Sonhos é em tudo uma preciosidade, homenagem à altura da enorme significação do letrista de Minas Gerais para a música brasileira. Só com Milton Nascimento foram mais de cem parcerias, das quais 16 estão no disco.
Algumas com Milton – entre parênteses o intérprete: San Vicente (Beto Guedes), Credo (Boca Livre), O Que Foi Feito Devera (Mônica Salmaso), Saudade dos Aviões da Panair (Joyce Moreno), Milagre dos Peixes (Djavan), Sentinela (Dori Caymmi), Outubro (Nina Becker), Travessia (Toninho Horta), Ponta de Areia (Roberta Sá), Veveco, Panelas e Canelas (Fernanda Takai), Amor Amigo (Paula Santoro), Vendedor de Sonhos (Flávio Venturini e Maria Machado). Com Beto Guedes: O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre (Milton). Com Toninho Horta: Durango Kid (Lô Borges). Com Lô: Paisagem da Janela (Samuel Rosa). E com Nelson Ângelo: Canoa Canoa (Vander Lee, que morreu em 2016).
VENDEDOR DE SONHOS, de Fernando Brant, com vários intérpretes
- Biscoito Fino, R$ 36
Antena
ONTEM, HOJE E SEMPRE, de Eliana Pittman
Não fosse a ação do profícuo produtor paulista Thiago Marques Luiz, provavelmente a cantora carioca de 74 anos e 58 de carreira nunca mais gravaria - seu último disco é de 1991. Vale lembrar que, nos anos 1960 e 70, principalmente, Eliana Pittman foi uma das estrelas da MPB, como mostram as 34 páginas do encarte do novo álbum.
Ao lado de violão e percussão, ela se mostra em plena forma, cantando, entre outras, O Morro Não Tem Vez (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes), Ex-Amor (Martinho da Vila), Drão (Gilberto Gil), Preciso me Encontrar (Candeia), Onde Estará o Meu Amor (Chico César) e Yo Vengo a Ofrecer mi Corazón (Fito Paez). Como bônus, o álbum recupera a gravação ao vivo de um show de Eliana em Paris em 1970, cantando clássicos da bossa nova. São, no total, 18 faixas.
CIRANDA DOS DESTINOS, de Chico Teixeira
Sexto álbum do cantor paulista, Ciranda do Destino é telurismo puro. Acompanhada por instrumentação mínima (na maior parte só violões), a bela voz grave de Chico personaliza clássicos da música brasileira com cheiro de terra.
Na abertura um tema fundador, O Trenzinho do Caipira (Villa-Lobos/Ferreira Gullar). Tem Correnteza (Tom Jobim/Luiz Bonfá), Riacho de Areia (folclore, participações de Roberto Mendes e Renato Teixeira, pai de Chico), Três Nascentes (João Pacífico), Linda Morena (Riachão, participação de Almir Sater), No Rancho Fundo (Lamartine Babo/Ary Barroso), Negrinho do Pastoreio (Barbosa Lessa, participação de Yamandu Costa), As Rosas Não Falam (Cartola) e as recentes Rio Doce (Zé Geraldo) e Nau Sertaneja (Renato Teixeira).
RIO JOY, do Alexandre Carvalho Quartet
Considerado um dos grandes da guitarra jazzística brasileira, o carioca Alexandre Carvalho tem larga atuação em shows e gravações de gente como Victor Assis Brasil (com quem começou, nos anos 1970), Mauro Senise, Leo Gandelman, Ed Motta e, recentemente, João Bosco.
Este é seu segundo disco solo, com Fernando Trocado no sax, Jefferson Lescowich no baixo e Vitor Vieira na bateria. Das oito faixas, ele assina três, provando-se um compositor fluente e inspirado. As outras são Samba Jazz (JT Meirelles), La Calle 93 (Astor Piazzolla), The Dolphin (Luiz Eça), Duke Ellington’s Sound of Love (Charles Mingus) e Armadilha (Henrique Alvim, jovem músico brasiliense). Samba e jazz em perfeita harmonia.