Pela primeira vez, desde que passei a publicar esta enquete em minhas páginas, no século passado, reunindo críticos de várias capitais, não estamos apontando o Disco do Ano. Pela primeira vez, também, não aparece a indicação da procedência do álbum; se foi lançado por gravadora, se teve produção independente. Estes dados, que até um tempo atrás diziam alguma coisa, tornam-se cada vez mais irrelevantes. Por exemplo, nos discos brasileiros das oito listas que estão aqui, não há um sequer que tenha sido lançado por uma grande gravadora — as chamadas majors, que desde a década de 1940 dominavam a produção musical do país e que, nesta segunda década dos anos 2000, ainda estão procurando se adaptar à velocidade da revolução digital e ao virtual fim das lojas físicas de discos.
Entre as gravadoras independentes que surgiram nesse vácuo, a carioca Biscoito Fino tenta se equilibrar, e não por outro motivo são dela vários álbuns aqui indicados. Também a paulista Kuarup tem feito um trabalho de resistência, apostando no nicho dos que ainda gostam de manusear um CD, colocá-lo para tocar e ler o encarte com as letras e a ficha técnica. Sou um desses estereossauros, confesso, não sinto a mínima tesão em ficar buscando músicas na internet se tenho milhares de LPs e CDs, coleções completas dos maiores artistas nacionais e internacionais para me divertir e viajar no tempo.
Mas voltando ao que interessa, em 2019 tivemos de novo um cenário totalmente estilhaçado, tornando impossível, mesmo para quem se dedica a isso, acompanhar, mesmo a uma certa distância, a profusão de lançamentos. Para refrescar as memórias de nossos sete convidados, elaborei uma relação de cerca de 140 discos brasileiros (que recebi e/ou pesquisei na internet), acrescida de uns 30 diferentes trazidos por eles. Claro que fizemos uma seleção na qual não há espaço para o que consideramos música ruim, como o sertanejo pop, o pagode joia e por aí afora, que hoje dominam as rádios. Desisti de relacionar os internacionais por dois motivos: não comentei nenhum durante o ano e só a seleção da revista Rolling Stone tem 100.
Gerações
As listas de meus colegas críticos, que às vezes prefiro chamar de repórteres e comentaristas musicais (assim como há os esportivos, políticos etc.), chegaram com 53 citações de discos brasileiros e 14 internacionais. Não disse ainda que temos um perfil mais ou menos parecido e duas gerações afins, o que significa que muitos bons discos foram lançados. E a ideia da enquete, hoje, vai por aí: dar um amplo panorama da MPB atual que merece ser ouvida em meio ao caos e à esperança. Desses 53 discos nacionais, 43 tiveram apenas uma citação! Entre os outros 10 desponta mais uma vez a eterna Elza Soares e seu extraordinário Planeta Fome, com quatro menções. Receberam duas os discos de Jards Macalé, Chico César, Céu, Sergio Santos, Marcelo Delacroix, Hamilton de Holanda, Emicida, BaianaSystem. Entre os internacionais, o inglês Michael Kiwanuka também figura em duas listas.
Embora a tendo esboçado, sempre deixo minha lista para o fim, depois de chegarem todas. Isso nunca interferiu no resultado quando escolhíamos o tal Disco do Ano (em 2018 foi o belo Viola Perfumosa, de Ceumar, Paulo Freire e Lui Coimbra, em 2017 foi o impactante Caravanas, de Chico Buarque, ambos consensuais). Desta vez resolvi fazer diferente, seguindo o rumo que a enquete já vinha meio que sugerindo de uns três anos pra cá, de ser isso mesmo, sugestões de trabalhos que devem e/ou merecem ser ouvidos, sem a história de Disco do Ano. Mesmo tendo vários dos citados em minhas anotações, decidi apontar álbuns ótimos, importantes, que não aparecem em nenhuma lista, ampliando assim as ideias.
Ouvi vários destes álbuns agora, graças às indicações. Todos muito bons. Entre eles, escolho para exemplo Virada na Jiraya, da cantora pernambucana Flaira Ferro, uma verdadeira revelação, e Besta Fera, do bendito Jards Macalé, que surpreende pela força nova entre os “veteranos”. Mas ouça todos. Se gosta de música boa, você não vai se arrepender. É fácil de achar.
E antes de fechar a conta, saúdo a chegada de Tárik de Souza, velho amigo, um dos maiores jornalistas musicais do Brasil, cujo trabalho acompanho desde os áureos tempos da revista Veja, com vários livros publicados. É um dos mentores do recém lançado documentário cinematográfico Sambalanço – A Bossa que Dança.
A LISTA DO COLUNISTA
- Adriana Deffenti: Controversa
- Ana Costa e Zélia Duncan por várias intérpretes: Eu Sou Mulher Eu Sou Feliz
- Ayrton Montarroyos: Um Mergulho no Nada
- Consuelo de Paula: Maryákoré
- Daniel Debiagi: Sem Chorar em Teus Olhos
- Egisto Dal Santo: 4 Magníficos
- Nino: Navegar Nesse Mistério
- Nenung: Incendeia Tua Aldeia
- Patativa: Sou de Pouca Fala
- Quatro a Zero: Mesmo Outros
ANTÔNIO CARLOS MIGUEL
Crítico musical, membro votante do Grammy Latino e do Conselho do Prêmio da Música Brasileira
- Brittany Howard: Jaime
- Chico César: O Amor É um Ato Revolucionário
- Chrissie Hynde with The Valve Bone Ensemble: Valve Bone Woe
- Délia Fisher: Tempo Mínimo
- Edu Lobo, Romero Lubambo e Mauro Senise: Quase Memória
- Fernanda Cunha: Canta Filó Machado
- Jards Macalé: Besta Fera
- Jazzmeia Horn: Love and Liberation
- Michael Kiwanuka: Kiwanuka
- Tetê Espíndola & Alzira E: Recuerdos
IRLAM ROCHA LIMA
Crítico musical e editor de Música do Correio Braziliense
- Maria Bethânia: Mangueira: A Menina dos Meus Olhos
- Gal Costa: A Pele do Futuro
- Elza Soares: Planeta Fome
- Céu: APKÁ!
- Edu Lobo, Romero Lubambo e Mauro Senise: Quase Memória
- Bossacucanova e Roberto Menescal: Bossa Get the Blues
- Emicida: AmarElo
- BaianaSystem: O Futuro não Demora
- Hamilton de Holanda: Harmonize
- Scalene: Respiro
JOSÉ TELES
Pesquisador, escritor, crítico musical do Jornal do Commercio (Recife)
- Soundwalk Collective with Patti Smith: The Peyote Dance
- Leonard Cohen: Thanks for the Dance
- Francis Hime: Hoje
- Flaira Ferro: Virada na Jiraya
- Lia de Itamaracá: Ciranda Sem Fim
- Chico César: O Amor É um Ato Revolucionário
- Neil Young: Colorado
- Socorro Lira: Cantos à Beira-Mar
- Elza Soares: Planeta Fome
- Ave Sangria: Vendavais
KIKO FERREIRA
Crítico musical do jornal Estado de Minas, diretor de programação da Rede Minas de Televisão
- Céu: APKÁ!
- Sérgio Santos: São Bonitas as Canções
- Hot e Oreia: Rap de Massagem
- Djonga: Ladrão
- Jards Macalé: Besta Fera
- Renegado e Orquestra de Ouro Preto: Suíte Masai
- The Who: WHO
- Billie Eilish: When We All Fall Asleep Where do We Go?
- Elza Soares: Planeta Fome
- Hamilton de Holanda Quarteto: Harmonize
PAULO MOREIRA
Crítico musical, apresentador do programa Sessão Jazz na webradio Salve Sintonia
- Gambona: Ventos do Sul
- Marcelo Delacroix: Tresavento
- Glau Barros: Brasil Quilombo
- André Mehmari Trio: Na Esquina com o Sol na Cabeça
- Bebê Kramer: Vertical
- James Liberato: Manacô
- Bianca Gismonti Trio: Desvelando Mares
- Cristian Sperandir: Bons Ventos
- Van Morrison: Three Chords & the Truth
- Robbie Robertson: Sinematic
ROGER LERINA
Crítico musical, jornalista cultural, editor do site rogerlerina.com
- Angelo Primon, Mário Tressoldi, Oly Jr. e Valdir Verona: Violas ao Sul
- BaianaSystem: O Futuro Não Demora
- Clima: La Commedia È Finita
- Emicida: AmarElo
- Fafá de Belém: Humana
- Lana Del Rey: Norman Fucking Rockwell!
- Marcelo Delacroix: Tresavento
- Matana Roberts: Coin Coin Chapter Four – Memphis
- Michael Kiwanuka: Kiwanuka
- Nick Cave and The Bad Seeds: Ghosteen
TÁRIK DE SOUZA
Crítico e pesquisador musical, colunista do portal IMMuB.org (Instituto Memória Musical Brasileira)
- Elza Soares: Planeta Fome
- Fabiana Cozza: Canto da Noite na Boca do Vento
- Lica Cecato e Paolo Baltaro Orchestra: Call Porter
- Orquestra Jovem Tom Jobim visita Moacir Santos
- Grupo Rumo: Universo
- Douglas Germano: Escumalha
- Dudu Sperb e Guinga: Navegante
- Sergio Santos: São Bonitas As Canções
- Henrique Cazes: Música Nova para Cavaquinho
- Jards Macalé: Besta Fera