Atriz histórica das telas e palcos brasileiros, Marília Pêra foi também uma grande cantora/intérprete, faceta que mostrou em vários espetáculos musicais e em três discos ligados a eles, lançados bissextamente (1975, 1990 e 2006). Ao morrer, em 7 de dezembro de 2015, ela deixou pela metade a gravação de um álbum desligado de qualquer espetáculo. Com câncer no pulmão e um desgaste ósseo no quadril que lhe dava muita dor, Marília vibrou quando a amiga Kati Almeida Braga, da gravadora Biscoito Fino, a convidou para fazer um disco de repertório aberto. A escolha das músicas e os ensaios começaram em sua casa, com o pianista e diretor musical Cristovão Bastos e o produtor José Milton.
“Eram momentos em que eu via minha irmã saudável, únicos momentos em que ela sorria”, lembra a cantora Sandra Pêra em um texto para o material de divulgação. Marília foi para o estúdio e chegou a gravar seis vozes guias, quando a doença a abateu. As gravações ficaram guardadas durante um ano e meio, até Sandra e José Milton resolverem ouvi-las, concluindo que o disco poderia/deveria ser lançado, pois, mesmo frágil, a voz era afinadíssima e intensa. Seria aproveitada a voz guia, e as músicas que ela não pôde gravar seriam cantadas por amigos, como Ney Latorraca, e familiares, como os filhos Ricardo Graça Mello, Nina Morena e Esperança Mota e as sobrinhas Amora Pêra e Fernanda Gonzaga.
Com arranjos impecáveis e músicos do calibre de João Lyra, Jorge Helder e Jessé Sadoc, Por Causa de Você é belo e emocionante na atmosfera melancólica do samba-canção e do bolero. Marília canta A Cara do Espelho (Nelson Motta/Guto Graça Mello), Lua e Flor (Osvaldo Montenegro), Risque (Ary Barroso), Duas Contas (Garoto), Por Causa de Você (Tom Jobim/Dolores Duran) e a versão de Fausto Nilo para Ne Me Quitte Pas (Jacques Brel). Entre as outras, Um Filme de Amor, versão de Nelson Motta para As Time Goes By (Herman Hupfeld), e a dançante Chinelinho Chinfrin, única letra de Marília (parceria com Guilherme Lamounier), feita para as Frenéticas da mana Sandra – que não a gravaram.
- Por Causa de Você, de Marília Pêra. Biscoito Fino, CD R$ 33,90.
Orquestra Sanfônica tem baião, choro e até tango
Filho de pais pianistas, o carioca Marcelo Caldi foi alfabetizado no piano pela mãe, a argentina Estela Caldi, e criado ouvindo o som erudito do pai, o mineiro Homero de Magalhães. Mas, apaixonado pela música nordestina, acabaria escolhendo o acordeom como seu instrumento principal, tornando-se um dos grandes nomes de sua geração (tem 39 anos). Embora no Rio Grande chamemos de “gaita” esse instrumento, seguirei a denominação “sanfona”.
Há 20 anos Marcelo integra com a mãe e o irmão Alexandre, saxofonista, o Trio LiberTango, dedicado à obra de Piazzolla. Há quatro, criou a Orquestra Sanfônica do Rio de Janeiro, que está lançando o primeiro disco, recheado de xote, baião, xaxado, coco e até um tango.
São 22 componentes: nove sanfoneiros (incluindo o maestro e arranjador Caldi), sete sanfoneiras, duas cantoras, um cantor, dois percussionistas, um rabequeiro e um baixista. As 15 composições, 10 delas instrumentais, são assinadas por Caldi sozinho e com parceiros, resultando uma sonoridade absolutamente própria e empolgante. Os títulos já antecipam o que se ouvirá: Quadrilha Circense, Baião de São João, Tango Sanfônico, Choro de Fim de Tarde... A orquestra surgiu como um projeto arte-educativo, reunindo músicos de várias gerações e origens, do Maranhão ao Rio Grande do Sul.
Antena
ZIL AO VIVO, da Banda Zil
Lançado em 1987, o LP de estreia da Banda Zil causou furor pela novidade e qualidade de seu som. Mas o grupo teve vida curtíssima: formado um ano antes, no Rio, dissolveu-se em 1988. De lá para cá, os integrantes (todos com carreira própria) cogitavam um reencontro, o que finalmente ocorreu em 2016, com um show no Cultural Bar, de Juiz de Fora.
Gravado ao vivo, o álbum lançado agora mostra que Claudio Nucci (violão, voz), João Baptista (baixo), Zé Nogueira (sax, flauta), Zé Renato (violão, voz), Jurim Moreira (baixo), Marcos Ariel (piano) e Ricardo Silveira (guitarra) não apenas não perderam o pique como estão 30 anos mais afiados. É MPB + jazz de altas esferas, sonzeira mesmo. Das 14 faixas, oito estavam no disco de 87, entre elas as instrumentais Zarabatana (Zé Renato), Suíte Gaúcha (Ariel), Calma (Ariel/Zé Nogueira), Zil (Nucci) e as cantadas Anima (Zé Renato/ Milton Nascimento) e Jequié (Moacir Santos/Aldir Blanc). Entre as novidades, Blackbird (Lennon/McCartney) e Terra Azul (Pat Metheny). O filme, que já rolou no Canal Brasil, é feito em preto e branco.
MÁRIO SÈVE, de Mário Sève
Este álbum poderia se chamar 60 Anos, pois essa é a data que o saxofonista e compositor carioca está comemorando com o lançamento. Um dos maiores instrumentistas brasileiros, cofundador de grupos históricos como Nó em Pingo d’Água e Aquarela Carioca, Sève deu uma guinada em sua vida lá por 2009/2010, ao iniciar uma relação artística e sentimental com a cantora e compositora argentina Cecília Stanzione. Em 2011 veio o primeiro disco deles, Canción Necesaria.
A música está neste novo álbum de Sève, que demorou um pouco para sair: foi gravado ao vivo naquele ano na Sala Itaú Cultural, em São Paulo. O roteiro reúne músicas do disco com Cecília e do repertório dos dois grupos. São seis temas instrumentais de Sève, entre eles Choro dos Anjos, a valsa Época de Ouro, o afro-samba Negreiros e quatro parcerias com Cecília, cantadas por ela: o tango Canción Necesaria, Zamba Para Tus Manos, Una Milonga e Sem Preparo, que tem “aires” de fado, modinha e tango, com letra em português. Ao lado do sax soprano de Sève estão os ótimos Gabriel Geszti (piano, acordeom), Zé Alexandre Carvalho (baixo) e Sérgio Reze (bateria).