"Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha." (Eduardo Galeano, 1940-2015)
O incomparável Ariano Suassuna, numa de suas inesquecíveis apresentações, comentando sobre a escassez de alternativas profissionais na sua juventude, limitou as escolhas a partir de três características do candidato: quem gostasse de conta de somar tinha pendor para a matemática e ia ser engenheiro; se preferisse dissecar barriga de lagartixa de manhã, ia ser médico; e se não gostasse de nada, ia ser advogado. Para eliminar qualquer acusação de preconceito, se incluiu no terceiro grupo, para contar, no final, que nunca tinha sofrido tanto até que ouviu um conselho de famoso advogado para que fosse fazer qualquer outra coisa, porque ele também não servia para fazer aquilo que servia para quem não servia para nada.
E foi então fazer filosofia, que, segundo ele, as pessoas ainda pensam que é a melhor alternativa para quem não gosta de trabalhar.
Quando o pendor era para arte, mais sofrida ainda era a espera, porque, como regra, a resistência mais pesada começava em casa.
Mas a história está cheia de gênios que sofreram a angústia de buscar a verdadeira vocação, penando por tarefas burocráticas como forma de sobrevivência à espera da iluminação. Quando o pendor era para arte, mais sofrida ainda era a espera, porque, como regra, a resistência mais pesada começava em casa, com os pais convencidos de que isso "é coisa de desocupado, e não criei meu filho para ser um vagabundo!".
Algumas vezes, para sorte do mundo, os prognósticos mais sombrios não se confirmam, como conta Romário da previsão de sua mãe que lhe teria profetizado; "Continue gazeteando a escola para jogar bola o dia inteiro, e você vai ver onde a sua vida vai acabar!".
Os que acreditam em destino acham que tudo está traçado, desde antes que o obstetra bata na bunda na expectativa do primeiro choro, e que a trilha pode ser uma linha reta ou um labirinto, dependendo do humor do Ser Supremo que, creem os religiosos, administra a nossas vidas.
Em 1967, houve em Lima, no Peru, um encontro mágico entre dois então jovens escritores, já festejados nas suas aldeias, mas ninguém apostaria que aqueles dois sul-americanos no futuro seriam laureados com o Nobel de Literatura.
O material de um diálogo de dois dias foi colocado num livro (Duas Solidões), editado pela Record (2022), e que me foi presenteado por Walter Zin, um querido confrade da ANM.
Uma das primeiras perguntas que Mario Vargas Llosa fez para Gabriel Garcia Márquez foi: "Todo mundo sabe para que serve um engenheiro, um arquiteto ou um médico, mas na sua opinião, como escritor, você serve para quê?".
E Gabo responde: "Eu acho que comecei a escrever quando descobri que não servia para nada do que queriam que eu servisse, como, por exemplo, trabalhar na farmácia do meu pai. E depois, quando comecei a escrever, me agradava que publicassem o que tinha escrito, porque percebi que eu escrevia para que meus amigos gostassem mais de mim".
E concluiu a resposta: "Agora, a verdade é que o fato de escrever obedece a uma necessidade urgente, e quem tem a vocação de escritor tem que escrever, porque só assim vai se livrar das suas dores de cabeça e da sua má digestão".
Mais curioso é que mesmo as pessoas bem-sucedidas em geral não sabem dizer quando e por que decidiram ser o que seriam.