Toda cirurgia é, em princípio, dolorosa. O que não segue nenhuma cartilha é a resposta de cada operado, com queixas discrepantes, muitas vezes submetidos a procedimentos idênticos.
As primeiras descrições desse fenômeno de diversidade sensorial reportam a experiências com soldados em campos de batalha que chegavam aos hospitais americanos de retaguarda, com as vísceras de fora, mas pouco queixosos, por estarem vivos, e porque, como sobreviventes, em breve estariam voltando para casa, para serem festejados como heróis.
Perfeitamente compreensível que usassem menos da metade da morfina exigidas por pacientes das clínicas de luxo de Boston, submetidos a cirurgias eletivas, muito onerosas, e com ganhos menos ostensivos e ainda carentes de comprovação.
É muitíssimo menor a queixa de dor de quem é operado para resolver, por exemplo, uma hemorragia, com sua assustadora ameaça de morte, na comparação com quem tem indicação de remover um tumor assintomático, descoberto por acaso.
Um importante atenuante da dor é a existência, no processo, de alguma barganha. É muitíssimo menor a queixa de dor de quem é operado para resolver, por exemplo, uma hemorragia, com sua assustadora ameaça de morte, na comparação com quem tem indicação de remover um tumor assintomático, descoberto por acaso. Apesar do diagnóstico precoce ser festejado pelo médico, essa contingência será sempre vista pelo paciente como uma agressão despropositada.
De todas as situações em que o fator emocional interfere, certamente a mais comovente é a da mãe que se submete a uma cirurgia torácica extremamente dolorosa para doar uma parte de seu pulmão ao filho amado, e que no pós-operatório dispensa sedativos porque, inacreditavelmente, não sente dor. Como se essa queixa, vista como menor no contexto, pudesse diminuir o tamanho de um dos maiores gestos de amor.
Uma das mais conhecidas lendas da solidariedade humana envolve dois soldados americanos, num dos momentos mais críticos da Segunda Guerra, quando os aliados foram emboscados pelos nazistas em Dunquerque. Um deles, gravemente ferido, foi carregado pelo outro por mais de 16 quilômetros em um campo nevado, durante a noite.
Quando finalmente, ao amanhecer, chegou ao hospital com sua preciosa carga, o soldado foi saudado como herói. E quando lhe perguntaram como conseguira carregá-lo durante tanto tempo e em condições tão adversas, ele simplesmente respondeu: "Mas ele não pesa nada. Ele é meu irmão!".
Aparentemente, o amor incondicional é um poderoso analgésico! Que brota espontâneo no coração dos amados, e como tudo o que é incontestável na origem, dispensa definições, e certamente não precisa de receituário com tarja preta.