Se considerarmos que estamos estagiando por aqui com o objetivo elementar de construirmos a nossa felicidade, não alcançá-la representará sempre uma forma de morte, discreta ou escandalosa, dependendo dos parâmetros de viva ou julgue.
Um amigo querido, de longa data, que vou chamar de Edoardo, era o arquétipo da felicidade, e isso desde sempre, para o maior desespero dos frouxos e dos invejosos. Arrojado, com excelente faro para negócios emergentes que se mostraram lucrativos, construiu fortuna e granjeou simpatia entre os poderosos, especialmente entre os herdeiros de poder. Nada disso mexeu com seu jeito solidário e bonachão.
Envelheceu, como merecem os de bom caráter, rodeado de amigos verdadeiros. Alguns desses, irmãos por escolha, mais apressados em morrer, deixaram filhos instruídos a não perderem de vista o caráter generoso do amigo, de modo que, com a morte dos pais, foram recrutados pelo carisma do Edoardo para substituí-los, preservando este núcleo de fraternidade, em número e qualidade.
Sob a tutela do Edoardo, filhos e “sobrinhos” foram criados juntos.
Nesse contexto, adoeceu. E o emagrecimento rápido prenunciava doença grave, confirmada já nos primeiros exames que revelaram a presença de um grande tumor de pulmão, com sinais de disseminação para o fígado e talvez para os ossos.
Soube desses detalhes através de uma filha, que ligou, desesperada:
– Dr., socorro, o pai tem um câncer de pulmão e quando dissemos à equipe oncológica que o assiste que gostaríamos de ouvir a sua opinião, eles argumentaram que, com a doença avançada como estava, não havia mais nenhuma possibilidade de cirurgia. Acontece que ontem o pai anunciou que vai marcar uma consulta consigo, e eu resolvi me antecipar e colocá-lo a par da situação, e avisá-lo do que combinamos com os oncologistas: o pai não tem a menor ideia da gravidade da sua condição, e decidimos poupá-lo dessa notícia, porque ele, como o senhor sabe bem, adora tanto a vida que é capaz de fazer uma loucura se souber que vai morrer em pouco tempo. Estou ligando para lhe pedir que nos ajude a manter esse segredo.
No dia seguinte, a consulta foi agendada, com um pedido especial: deveria ser no último horário, porque a conversa podia se arrastar. No telefonema, fiquei com a impressão de um certo tremor na voz. Pura ilusão, ele foi direto como sempre:
– Meu Dr., estou morrendo e preciso da tua ajuda. Soube, sem perguntar, que estou muito doente porque perdi peso rapidamente e aumentaram as declarações de amor na família, sem contar que minha filha muito amada não melhora duma “conjuntivite” de jeito nenhum. Junte essas coisas num homem de 87 anos e acabou o mistério. Há algum tempo, com a morte dos meus amigos do polo e da pesca, perdi muito da minha alegria, e, sem eles, comecei a morrer por dentro. Só queria poder dizer para minha família que está tudo bem, que a vida é assim, mas não consigo, porque eles me cortam cada vez que ameaço falar do futuro. Na certa porque sabem que eu não tenho mais nenhum.