"Os corajosos experimentam a morte apenas uma vez. Os covardes morrem muito antes de morrer." (Shakespeare, em Júlio Cesar)
Sempre me interessei pela coragem, por considerá-la uma virtude tão importante que, se conseguíssemos sustentá-la não o tempo todo, porque bancar super-herói deve ser muito cansativo, mas ao menos nas encruzilhadas mais relevantes, a vida ficaria mais digna.
Quando ainda menino, me queixei ao amado avô por ter-me submetido a um teste de medo: eu nunca faria aquilo com um neto meu. Ele riu debochado e disse: "Não se preocupe com isso. Nós passamos a vida fugindo, assustados. A diferença é que os valentes, quando sentem medo, correm para frente".
Hoje sei que as melhores coisas que consegui na vida foram pela subjugação do medo, ainda que agora admita com naturalidade: muitas das vezes em que dei a impressão que pagava para ver no que ia dar se deveram à criação de circunstâncias que não me impediam recuar. Enfim, correr para a frente era a única saída possível. Mas a minha admiração é pela coragem espontânea, sem tempo de ensaio que permita simular uma coragem maquiada no camarim.
Mãe nunca se engana quando sua intuição lhe diz que uma coisa muito errada está acontecendo com a sua cria.
Quando o Ivan Antonello, esse renomado nefrologista gaúcho, participando de uma sessão memorável do nosso Curso de Medicina da Pessoa, embargou a voz para contar a história de um pacientinho de nove anos, eu soube que lá vinha emoção. Porque sei que o Ivan é um chorão, mas também sei que ele não chora à toa.
O Rodriguinho, depois de um longo tempo de diálise, recebeu um rim do pai e já saiu do bloco cirúrgico urinando, o que é o sonho de todo o transplantado de rim. Três dias depois, já estava no quarto, para a alegria comovida da família. No fim do quarto dia, Ivan recebeu o aviso da enfermagem que Rodrigo chorava de dor. O exame físico detectou um abdômen contraído e extremamente doloroso à palpação. Isso, que os médicos chamam de ventre em tábua, é resultante de uma irritação inflamatória intensa, praticamente sempre associada à perfuração de uma víscera, e indicativo de cirurgia de urgência.
O cirurgião responsável ainda estava no bloco cirúrgico e pediu que o garoto fosse imediatamente levado para lá, onde procederia o exame e a provável intervenção. Sem tempo a perder, o Ivan, esse tipo que sabe que empurrar maca não faz de ninguém menos médico, saiu pelo corredor com a sua carga gemente e naturalmente assustada.
Logo adiante, encontraram os pais, movidos por aquela angústia que nasce da percepção de mãe, que nunca se engana quando sua intuição lhe diz que uma coisa muito errada está acontecendo com a sua cria. E não importa que idade a cria tenha.
Quando a maca parou, o choro contido do pai era abafado pelo pranto desesperado da mãe.
E então, Rodriguinho, como se a sua dor tivesse por encanto sumido, assumiu o comando: "Mãe, não chore, eu vou ficar bem. O Dr. Ivan me disse que o que vou fazer é uma coisa simples, e que eu vou voltar bem rapidinho".
Uma úlcera gástrica perfurada contrariou o otimismo forçado de Rodrigo, e depois de uma luta insana um choque séptico refratário, interrompeu seu sonho de criança.
Depois disso, nas muitas vezes em que Ivan conviveu com os pais, o assunto obrigatório era a coragem daquele pingo de gente que, na inocência de seus nove aninhos, fora criativo para inventar uma frase que o Ivan nunca dissera, simplesmente para proteger a mãe de um sofrimento que ele nem imaginava o tamanho que teria.
Meu avô teria gostado de conhecer o Rodriguinho.