Ainda que o medo faça parte da natureza humana, de modo que todos cultivam a sua cota, há os especialistas em disfarçá-lo e, por se sentirem superiores, atribuem o medo dos outros à fraqueza ou covardia. Na verdade, o medo, expresso como uma reação de luta ou fuga, é um sentimento indispensável porque está associado ao mais elementar dos instintos humanos, o da sobrevivência. Uma pessoa desprovida de medo (e existe?) pela incapacidade de valorizar o perigo vai viver pouco, ou seja, terá menos tempo para aproveitar sua valentia.
Quando o cérebro é ativado involuntariamente por estímulos estressantes, libera substâncias neurotransmissoras como serotonina e adrenalina que participam de uma reação em cascata, fazendo disparar o coração, tornando a respiração ofegante e contraindo os músculos. Apesar da semelhança farmacológica na deflagração, a reação ao medo é muito individual, impedindo que se possa estabelecer uma atitude padronizada, porque alguns ativam os reflexos e se revelam capazes de tomar decisões rápidas e precisas, enquanto outros ficam literalmente paralisados.
A situação atual uniformizou o medo: estamos todos assustados. Todos perguntamos: 'Quando isso vai terminar, doutor?'."
O ser humano, frágil por natureza, se tornou gregário mais por necessidade do que por opção, assumindo a rotina de buscar no outro o amparo imprescindível para suportar a vida e seus sustos inevitáveis.
A presença de um vírus, pra lá de inconveniente, a exigir confinamento, retira essas âncoras que só valorizamos ao perdê-las e torna previsíveis crises emocionais decorrentes do somatório de dois sentimentos dilacerantes: a tragédia da doença (ou o medo dela) e a tristeza da solidão.
Como saúde sempre foi considerado um item obrigatório de qualquer esboço de felicidade, é curiosa a reação contrastante de pessoas aparentemente iguais diante de uma doença. O que estamos assistindo é ainda maior: não tínhamos nenhuma experiência com o fantasma de uma doença coletiva e seus desdobramentos, com exigência de coragem, serenidade, resiliência e empatia, e nos flagramos numa situação em que há uma indisfarçável tendência ao medo, ao alarmismo, ao egoísmo e à indiferença, comprometendo o que a espécie humana tem de mais nobre: a solidariedade.
Quem tem uma visão mais holística, ou seja, aquela capaz de ultrapassar o umbral da porta higienizada com álcool gel, e se permite pensar nos pobres que ganham para comer e não têm nenhuma reserva para sobreviver com o trabalho interrompido deve sentir um estranho aperto no peito. Se isso não estimular algum tipo de voluntariado, precisará requisitar, ao que eventualmente sobrou da sua consciência, um atestado definitivo de inutilidade social. A situação atual, pela gravidade e pelo ineditismo, uniformizou o medo, e a pergunta recorrente, “Quando isso vai terminar, doutor?”, une a todos pelo mesmo sentimento: estamos assustados.
Lendo o relato comovido do doutor Ricardo Kroef (um cara emotivo), tentando tranquilizar um velhinho de visão embaçada por catarata, que aguardou dois anos pela cirurgia e no dia que foi chamado para agendar a internação recebeu a informação, cruel mas necessária, de que as cirurgias eletivas da Santa Casa estavam temporariamente suspensas, fiquei pensando: como sofrem as pessoas sensíveis ao descobrir que envelhecer é ruim, envelhecer pobre é horrível e, para piorar, só falta adoecer.