No último encontro do ano passado, promovido pelo jornal O Globo, no Rio, numa conferência intitulada Felicidade é o que conta, debatemos a falta que ela nos faz e as causas mais prováveis da infelicidade. Há consenso de que estamos menos afáveis e mais circunspectos, e esta introversão definitivamente não contribui para a construção de felicidade, por sermos seres primariamente gregários.
O mundo moderno experimentou duas transformações que impactaram o comportamento das pessoas. Primeiro, o superpovoamento que devia ter aproximado os inquilinos, mas acabou criando uma situação paradoxal: nunca estivemos tão sós na multidão. A expectativa inicial de que as redes sociais favorecessem a aproximação, ainda que virtual, não só não funcionou como resultou no contrário. Na medida em que ficou evidente a disputa para ver quem está mais próspero e feliz, com cada um postando o lugar mais lindo que visitou, a comida mais apetitosa e fotogênica, e até o rótulo do vinho mais caro, sacramentou-se o Face ou o Insta (citados assim para dar uma noção da intimidade) como as plataformas da falsa felicidade, porque nunca, em nenhuma época, se mentiu tanto. E os psiquiatras estão alertando que a autopromoção mentirosa é fonte de profunda tristeza, porque, não podendo dormir com o que postamos, rolamos na cama com o que somos.
Não há como pretender um atendimento carinhoso por quem está sobrecarregado de trabalho, esmagado pela burocracia, humilhado pelo salário degradante, açodado pelos gestores e constrangido pelas queixas dos pacientes que o identificam como o único responsável visível de um sistema cruel e discriminador.
Por outro lado, a mudança de ritmo da vida moderna e a competição profissional acirrada produziram a ideia bizarra de que o que era prazeroso nas relações humanas, como solidariedade, empatia e generosidade, passasse a ser visto como perda de tempo.
A consequência previsível dessas mudanças foi sentida em todas as áreas, com ênfase na interação pessoal, com desumanização assustadora e endêmica. Na medicina, muito se tem sido atribuído à substituição da proximidade física pela tecnologia, que, com seus braços mais longos, tem afastado o médico dos seus pacientes carentes, mas não há dúvida que a questão é muito mais complexa.
Não há como pretender um atendimento carinhoso por parte de quem está sobrecarregado de trabalho, esmagado pela burocracia, humilhado pelo salário degradante, desestimulado pela falta de horizontes, açodado pelos gestores e constrangido pelas queixas dos pacientes que o identificam como o único responsável visível de um sistema cruel e discriminador.
A constatação de que o Brasil perdeu posições na última década no ranking dos países mais felizes do mundo (caiu 28º para 37%) estava no centro das questões formuladas na fase de interação com o público, depois que a tal conferencia terminou.
Uma jornalista, usando como gancho os dados dessa pesquisa, perguntou-me a que atribuía essa queda de felicidade nacional.
Pergunta difícil porque a resposta é, obviamente, multicausal, mas me pareceu adequado sugerir que talvez o povo esteja lendo jornal demais. E, convenhamos, não dá para ser feliz com tanta notícia selecionada pela capacidade de escandalizar.